quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

ANTOLOGIA DA LINGUA PORTUGUESA

Neste blog, uma seleção dos melhores textos escritos por autores da língua portuguesa. Claro, os critérios foram pessoais, puramente meus; há quem discorde das minhas escolhas. Como toda antologia, haverá sempre as ausências e as injustiças;  e também as presenças que uns e outros julgarão serem não meritórias.

Para facilitar a navegação do blog, dividi esta antologia em grupos (clique na botão desejado)  :

Clique para ler textos extraidos de livrosButton poesiasButton ContosButton cronicas
Button documentosButton MPB
Button cordeis
Sobre o autor
Fale com o autor deste blog, clicando na simpática figura acima.

Home2

domingo, 16 de julho de 2017

Moda da barriga (João Nogueira)

Moda da Barriga - João Nogueira


No dia que a barriga virar moda
realmente vai ser... fogo pra poder me aturar *
Ninguém vai resistir aos meus encantos
e a tv do Silvío Santos vai querer me contratar

Na Globo o galã vai ser o Jô
na Tupi, veja o senhor,
vai ser o Sérgio Cabral
Na lista dentre os 10 mais elegantes
as presenças mais constantesdo Tim Maia e o Imperial *

A Wilza vai fazer a Gabriela *
no papel lá da novela e vai ser sensacional
Vinícius vai ganhar um novo ofício
vai ser manequim famoso da costura nacional

Os bares vão vender muita cerveja
e o padeiro, ora veja, vai vender muito mais pão
As moças pilúlas não vão tomar
e o Brasil vai aumentar a sua população

Por isso realmente vai ser fogo
se a barriga virar moda
vai dar grande confusão.

* Nota do blogger : supostamente João Gilberto, para rimar com “virar moda”, originalmente teria escrito “vai ser foda”. Por algum motivo (talvez censura oficial, ou mesmo um ato de auto-censura) mudou para “vai ser fogo”.
* Carlos Imperial
“A Wilsa (Carla) vai fazer a (novela)  Gabriela (, cravo e canela)”,

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]





Homem de 40 (João Nogueira)

Homem de 40 - João Nogueira


Olha só quem chegou
É o homem da faixa dos 40 e tal
Diz que é o bom... falador...
Chega botando banca com o pessoal


Tá prá nós, seu doutor,
Ele que não nos leve a mal
Já deve ter feito o seu abdominal
Na praia corrida matinal


Pra manter sempre em forma o visual
Só vive tirando a pressão arterial
Só come comida natural
O malandro vem cheio de moral


Procura de toda a maneira mostrar boa pinta
Que é pra parecer que tem menos de 30
E faz pose até pra jogar futebol
Já diminuiu com bravura o seu birinaite *
Só fuma cigarro prá light
Que é pra controlar o seu colesterol


No seu local de trabalho
Ele impõe respeito
Por isso ele é cheio de frases de efeito
Tornando o ambiente bastante formal


Mas faz coleção de revista de mulheres nuas
Se excita nos cines prives e nas ruas
E diz que na cama é o maioral


*Birinaite = bebida alcoolica, consumida a noite (Birita + night)

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]




Filho único (Erasmo Carlos)

Filho único - Erasmo Carlos 






Ei, mãe, não sou mais menino
Não é justo que também
queira parir o meu destino
Você já fez a sua parte
me pondo no mundo
Que agora é meu dono, mãe
e nos seus planos não estão você

Proteção desprotege
e carinho demais faz arrepender
Ei, mãe, já sei de antemão
que você fez tudo por mim
e jamais quer que eu sofra
Pois sou seu único filho
Mas contudo não posso fazer nada

A barra tá pesada, mãe
Mas quem tá na chuva tem que se molhar
No início vai ser difícil *
Mas depois você vai se acostumar.
* Nota do blogger : ao escrever “no inicio vai ser difícil”,  supostamente Erasmo quis dizer que “ia sair de casa, morar sozinho,e que no inicio vai ser difícil”. Deu aí ares de que a letra ficou incompleta, que o autor poderia continuar com a letra justificando o “inicio difícil”.

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]

Pra que discutir com madame ? (Haroldo Barbosa e Janet Almeida)

Pra que discutir com madame ? - Haroldo Barbosa e Janet Almeida

Nota do blogger : por sua origem popular e negra, até o final dos anos 50, o samba era hostilizado pelas elites conservadoras, que se irritavam com a popularidade do samba. Para a elite, a cultura brasileira deveria ser refinada, européia; por isso não se conformavam em ver o samba, como escreveu uma socialite a época, “ fruto de compositores desdentados e mal vestidos”, fazer sucesso. .
A madame em questão (da música) existiu, e se chamava Magdala da Gama Oliveira. Era uma crítica de radio e tinha uma coluna no jornal Diario de Notícias, quando então era um dos mais importantes jornais do Brasil. Na sua coluna, madame Magdala descia a lenha no samba.
Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba,
Madame diz o que samba tem pecado
Que o samba é coitado e devia acabar,

Madame diz que o samba tem cachaça,
mistura de raça mistura de cor,
Madame diz que o samba democrata,
é música barata sem nenhum valor,

Vamos acabar com o samba,
madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com madame ?

No carnaval que vem também concorro
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na Avenida entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto

Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno meu Deus que horror
O samba brasileiro democrata
Brasileiro na batata é que tem valor.


Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]


Fui ao dentista–Moreira da Silva

Fui Ao Dentista - Moreira da Silva



Fui ao dentista, pra chumbar uma panela,Mas o gajo achou que ela, não podia obturar.
Ele me disse, "vou mudar toda a mobília,
Tu vais ver que maravilha, Morengueira vai ficar.
Arranco tudo, arranco até o maxilar…"
- Mas doutor, o que está me doendo é o pré-molar.
Eu acho que vou ter um atrito com o senhor… -

Mas quando eu vi o boticão que ele trazia,
Minha tripa ficou fria, começou a tremedeira.
Quem foi que disse que o papai a boca abria,
Pra espetar a anestesia, na gengiva do Moreira.
Mas tem que ser, queira ou não queira.

Em vista disso, pra acabar com o meu berreiro,
O doutor me deu um cheiro, e eu ferrei numa soneca
E quando acordo, nem te conto camarada,
Minha boca está chupada, e a gengiva está careca.
Meu panelão levou a breca…

Enquanto espero que a gengiva murcha e seca,
Pra moldar a perereca, provisória no bocão.
Tudo o que é efe, sai comprido, sai soprado,
Que até fico encabulado, com tamanha assopração:
”Farora fofa faz fofoca no feijão.”

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]

Moreira da Silva



segunda-feira, 6 de março de 2017

Pai João (Ciro Costa)

Pai João - Ciro Costa

Lembro desse soneto quando era ainda menino, fazia o antigo ginásio. Ele apareceu num livro de português. O tempo apagou da minha memória soneto, mas por décadas persistiu na minha memória este verso “… é o urucungo a gemer na cadência do jongo”. Curiosamente, o verso persistiu por que na época fui ao dicionário para saber o que era um urucongo e um jongo. Foi esse verso que digitei no google, e o soneto me reapareceu, quase 50 anos depois!
O soneto é sobre o negro escravo, sobre a saudade da terra natal, África. 

Do taquaral à sombra, em solitária furna,
(para onde, com tristeza, o olhar curioso alongo),
sonha o negro, talvez, na solidão noturna,
com os límpidos areais das solidões do Congo.


Ouve-lhe a noite a voz nostálgica e soturna,
num suspiro de amor, num murmurejo longo,
E o rouco, surdo som zumbindo na cafurna,
é o urucungo a gemer na cadência do jongo.


Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos
a grandeza real de tudo quanto temos!
Sonha em paz! Sê feliz! E que eu fique de joelhos,


sob o fúlgido céu, a relembrar, magoado,
que os frutos do café são glóbulos vermelhos
do sangue que escorreu do negro escravizado!


cafurna = caverna, escoderijo
urucungo = berimbau
jongo = dança de roda, de origem africana


Link para mais poesias
Link para outras antologias

 





segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Vai passar (Chico Buarque de Holanda)

Vai Passar (1984) - Chico Buarque de Holanda



Ferrenho adversário da ditadura militar, Chico lançou essa música em 1984, já no final dela. Chama o a ditadura de “página infeliz da nossa história” . E fala dos desmazelos do governo, das obras faraônicas muitas vezes desnecessárias (…”erguendo estranhas catedrais”), da corrupção (…”subtraida em tenebrosas transações”). Por fim, diz que o povo esquece de tudo no período do carnaval, “uma alegria fugaz”. Entretanto, ao mesmo tempo que foi vigiado de perto pela censura, Chico teve uma relação diplomática com ela. Hábil e astuto, bom negociante, Chico conseguia as vezes burlar a censura e liberar algumas músicas "censuráveis". 

Findo o período militar, Chico teve sua irmã nomeada Ministro da Cultura. Sob sua desastrada gestão, vários artistas da MPB tiveram benefícios duvidosos da Lei Rouanet. Papagaio come milho, piriquito leva fama, Chico (que nunca se beneficiou dessa lei) acabou em desgraça. Teve seu nome massacrado nas redes sociais, que espalharam vários boatos maledicentes sobre sua pessoa. 
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval

Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar
Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]

sábado, 14 de janeiro de 2017

Detalhes–Roberto Carlos

  Detalhes - Roberto Carlos


Não adianta nem tentar me esquecer
Durante muito tempo em sua vida
Eu vou viver
Detalhes tão pequenos de nós dois
São coisas muito grandes pra esquecer
E a toda hora vão estar presentes
Você vai ver
Se um outro cabeludo aparecer na sua rua
E isto lhe trouxer saudades minhas
A culpa é sua
O ronco barulhento do seu carro
A velha calça desbotada ou coisa assim
Imediatamente você vai lembrar de mim
Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido
Palavras de amor como eu falei, mas eu duvido!
Duvido que ele tenha tanto amor
E até os erros do meu português ruim
E nessa hora você vai lembrar de mim
A noite envolvida no silêncio
Do seu quarto
Antes de dormir você procura
O meu retrato
Mas da moldura não sou eu quem lhe sorri
Mas você vê o meu sorriso mesmo assim
E tudo isso vai fazer você lembrar de mim
Se alguém tocar seu corpo como eu
Não diga nada
Não vá dizer meu nome sem querer
À pessoa errada
Pensando ter amor nesse momento
Desesperada você tenta até o fim
E até nesse momento você vai
Lembrar de mim
Eu sei que esses detalhes vão sumir
Na longa estrada
Do tempo que transforma todo amor
Em quase nada
Mas "quase" também é mais um detalhe
Um grande amor não vai morrer assim
Por isso, de vez em quando você vai
Vai lembrar de mim
Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Seu Liborio (João de Barro)

Seu Libório (1958) - Alberto Ribeiro e João de Barro 

Resolvi botar um pouco de humor no blog. Esta engraçada e simplória canção é sobre três vizinhas do seu Libório. Nas entrelinhas, deixa o autor entender que tratam-se de garotas de programa (eu sempre acho que “garota de programa” é um eufemismo para “biscatinha”).

Seu Libório tem três vizinhas
Manon, Margot e Fru-fru
Saem todas as tardinhas
Carregando o seu Lulu

Ninguém sabe o que elas fazem
Porém todo mundo diz
Que Seu Líbório é quem manda !
Ah!,Como o Libório é feliz
 

A Manon é mais lourinha
Que boneca de Paris !
A Margot é queimadinha
Pelo sol do meu país

A Fru-fru tem um sinalzinho
Na pontinha do nariz

Usam todas um V-8*
Que lhes deu um coronel

Têm vestidos de altos preços
E perfumes a granel
Vivem assim felizes contentes
Com o que o destino lhes deu

O Seu íbório é quem manda
Ai, o Seu Libório sou eu !
 

* V-8 : automóvel com motor tipo V-8. Para os leigos, trata-se de um motor de 8 pistões, dispostos em 4 pares lado a lado, formando uma fileira de 4 Vs (letra).

http://www.dreamstime.com/royalty-free-stock-images-v8-engine-pistons-image20053239
Disposição dos 8 pistões de um motor V-8
Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]








Prá não morrer de tristeza (João Bandeira)


Prá não morrer de tristeza - João Bandeira

Nota do bloguista : bem simplesinha, de poucos versos. Fiquei algum tempo na indecisão  antes de postar ela aqui, entre as melhores da MPB, mas eu gosto tanto dessa música que não resisti. Conta a historia de um homem que encontra a ex-mulher bebendo nos cabarés. 

Mulher, deixaste a moradia,
Pra viver de boemia,
E beber nos cabarés,
E eu, pra não morrer de tristeza,
Me sento na mesma mesa,
Mesmo sabendo quem és,

Hoje, nós vivemos de bebida,
Sem consolo, sem guarida*,
Num mundo enganador

Quem era eu,
Quem eras tu,
Quem somos agora ?
Companheiros de outrora,
Inimigos no amor !


Gostei demais dessa rima, “agora” e “outrora”. Tudo haver !
Também gostei da rima “moradia” e “boemia”, porque são coisas totalmente antagônicas.
* Guarida : abrigo, refúgio 

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]

Trocando em Miudos (Chico Buarque)


Trocando em miúdos - Chico Buarque de Holanda

Nota do bloguista : esta é música de separação. Aqui, quem levou cartão vermelho é a pessoa que narra a canção. E é ele que deixa a casa (o lar).
Quem permanece na casa,  que é alugada, vai receber um novo morador (“aceite uma ajuda do seu futuro amor pro aluguel”). 
O casal já tinha trocado alianças, que o protagonista da canção pede para penhorar (=empenhar) ou derreter, dando entender que, com a separação, este símbolo de união não vale mais nada.
"Trocando em miúdos" é um expressão idiomática que já não se usa mais. Significa "em outras palavras, explicando melhor".

Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim!

O resto é seu

Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas de amor nos nossos lençóis

As nossas melhores lembranças
Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter

Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado

Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor

Pro aluguel

Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu
Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.


Nota do blogger : “medida do Bonfim” é aquela fitinha que turista amarrava no braço quando ia à Bahia. A medida desta fita é 47 centimetros, diz-se que é a medida do braço direito da estátua de Jesus, que se encontra na Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, Salvador. Com o passar do tempo, as pessoas foram ficando mais xiitas e chatas no quesito higiene, e a fitinha virou sinônimo de sujeira, de criadouro de bactérias. Por isso, saiu de moda.

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]