domingo, 16 de julho de 2017

Moda da barriga (João Nogueira)

Moda da Barriga - João Nogueira


No dia que a barriga virar moda
realmente vai ser... fogo pra poder me aturar *
Ninguém vai resistir aos meus encantos
e a tv do Silvío Santos vai querer me contratar

Na Globo o galã vai ser o Jô
na Tupi, veja o senhor,
vai ser o Sérgio Cabral
Na lista dentre os 10 mais elegantes
as presenças mais constantesdo Tim Maia e o Imperial *

A Wilza vai fazer a Gabriela *
no papel lá da novela e vai ser sensacional
Vinícius vai ganhar um novo ofício
vai ser manequim famoso da costura nacional

Os bares vão vender muita cerveja
e o padeiro, ora veja, vai vender muito mais pão
As moças pilúlas não vão tomar
e o Brasil vai aumentar a sua população

Por isso realmente vai ser fogo
se a barriga virar moda
vai dar grande confusão.

* Nota do blogger : supostamente João Gilberto, para rimar com “virar moda”, originalmente teria escrito “vai ser foda”. Por algum motivo (talvez censura oficial, ou mesmo um ato de auto-censura) mudou para “vai ser fogo”.
* Carlos Imperial
“A Wilsa (Carla) vai fazer a (novela)  Gabriela (, cravo e canela)”,

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]





Homem de 40 (João Nogueira)

Homem de 40 - João Nogueira


Olha só quem chegou
É o homem da faixa dos 40 e tal
Diz que é o bom... falador...
Chega botando banca com o pessoal


Tá prá nós, seu doutor,
Ele que não nos leve a mal
Já deve ter feito o seu abdominal
Na praia corrida matinal


Pra manter sempre em forma o visual
Só vive tirando a pressão arterial
Só come comida natural
O malandro vem cheio de moral


Procura de toda a maneira mostrar boa pinta
Que é pra parecer que tem menos de 30
E faz pose até pra jogar futebol
Já diminuiu com bravura o seu birinaite *
Só fuma cigarro prá light
Que é pra controlar o seu colesterol


No seu local de trabalho
Ele impõe respeito
Por isso ele é cheio de frases de efeito
Tornando o ambiente bastante formal


Mas faz coleção de revista de mulheres nuas
Se excita nos cines prives e nas ruas
E diz que na cama é o maioral


*Birinaite = bebida alcoolica, consumida a noite (Birita + night)

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]




Filho único (Erasmo Carlos)

Filho único - Erasmo Carlos 






Ei, mãe, não sou mais menino
Não é justo que também
queira parir o meu destino
Você já fez a sua parte
me pondo no mundo
Que agora é meu dono, mãe
e nos seus planos não estão você

Proteção desprotege
e carinho demais faz arrepender
Ei, mãe, já sei de antemão
que você fez tudo por mim
e jamais quer que eu sofra
Pois sou seu único filho
Mas contudo não posso fazer nada

A barra tá pesada, mãe
Mas quem tá na chuva tem que se molhar
No início vai ser difícil *
Mas depois você vai se acostumar.
* Nota do blogger : ao escrever “no inicio vai ser difícil”,  supostamente Erasmo quis dizer que “ia sair de casa, morar sozinho,e que no inicio vai ser difícil”. Deu aí ares de que a letra ficou incompleta, que o autor poderia continuar com a letra justificando o “inicio difícil”.

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]

Pra que discutir com madame ? (Haroldo Barbosa e Janet Almeida)

Pra que discutir com madame ? - Haroldo Barbosa e Janet Almeida

Nota do blogger : por sua origem popular e negra, até o final dos anos 50, o samba era hostilizado pelas elites conservadoras, que se irritavam com a popularidade do samba. Para a elite, a cultura brasileira deveria ser refinada, européia; por isso não se conformavam em ver o samba, como escreveu uma socialite a época, “ fruto de compositores desdentados e mal vestidos”, fazer sucesso. .
A madame em questão (da música) existiu, e se chamava Magdala da Gama Oliveira. Era uma crítica de radio e tinha uma coluna no jornal Diario de Notícias, quando então era um dos mais importantes jornais do Brasil. Na sua coluna, madame Magdala descia a lenha no samba.
Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba,
Madame diz o que samba tem pecado
Que o samba é coitado e devia acabar,

Madame diz que o samba tem cachaça,
mistura de raça mistura de cor,
Madame diz que o samba democrata,
é música barata sem nenhum valor,

Vamos acabar com o samba,
madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com madame ?

No carnaval que vem também concorro
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na Avenida entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto

Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno meu Deus que horror
O samba brasileiro democrata
Brasileiro na batata é que tem valor.


Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]


Fui ao dentista–Moreira da Silva

Fui Ao Dentista - Moreira da Silva



Fui ao dentista, pra chumbar uma panela,Mas o gajo achou que ela, não podia obturar.
Ele me disse, "vou mudar toda a mobília,
Tu vais ver que maravilha, Morengueira vai ficar.
Arranco tudo, arranco até o maxilar…"
- Mas doutor, o que está me doendo é o pré-molar.
Eu acho que vou ter um atrito com o senhor… -

Mas quando eu vi o boticão que ele trazia,
Minha tripa ficou fria, começou a tremedeira.
Quem foi que disse que o papai a boca abria,
Pra espetar a anestesia, na gengiva do Moreira.
Mas tem que ser, queira ou não queira.

Em vista disso, pra acabar com o meu berreiro,
O doutor me deu um cheiro, e eu ferrei numa soneca
E quando acordo, nem te conto camarada,
Minha boca está chupada, e a gengiva está careca.
Meu panelão levou a breca…

Enquanto espero que a gengiva murcha e seca,
Pra moldar a perereca, provisória no bocão.
Tudo o que é efe, sai comprido, sai soprado,
Que até fico encabulado, com tamanha assopração:
”Farora fofa faz fofoca no feijão.”

Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]

Moreira da Silva



segunda-feira, 6 de março de 2017

Pai João (Ciro Costa)

Pai João - Ciro Costa

Lembro desse soneto quando era ainda menino, fazia o antigo ginásio. Ele apareceu num livro de português. O tempo apagou da minha memória soneto, mas por décadas persistiu na minha memória este verso “… é o urucungo a gemer na cadência do jongo”. Curiosamente, o verso persistiu por que na época fui ao dicionário para saber o que era um urucongo e um jongo. Foi esse verso que digitei no google, e o soneto me reapareceu, quase 50 anos depois!
O soneto é sobre o negro escravo, sobre a saudade da terra natal, África. 

Do taquaral à sombra, em solitária furna,
(para onde, com tristeza, o olhar curioso alongo),
sonha o negro, talvez, na solidão noturna,
com os límpidos areais das solidões do Congo.


Ouve-lhe a noite a voz nostálgica e soturna,
num suspiro de amor, num murmurejo longo,
E o rouco, surdo som zumbindo na cafurna,
é o urucungo a gemer na cadência do jongo.


Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos
a grandeza real de tudo quanto temos!
Sonha em paz! Sê feliz! E que eu fique de joelhos,


sob o fúlgido céu, a relembrar, magoado,
que os frutos do café são glóbulos vermelhos
do sangue que escorreu do negro escravizado!


cafurna = caverna, escoderijo
urucungo = berimbau
jongo = dança de roda, de origem africana


Link para mais poesias
Link para outras antologias

 





segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Vai passar (Chico Buarque de Holanda)

Vai Passar (1984) - Chico Buarque de Holanda



Ferrenho adversário da ditadura militar, Chico lançou essa música em 1984, já no final dela. Chama o a ditadura de “página infeliz da nossa história” . E fala dos desmazelos do governo, das obras faraônicas muitas vezes desnecessárias (…”erguendo estranhas catedrais”), da corrupção (…”subtraida em tenebrosas transações”). Por fim, diz que o povo esquece de tudo no período do carnaval, “uma alegria fugaz”. Entretanto, ao mesmo tempo que foi vigiado de perto pela censura, Chico teve uma relação diplomática com ela. Hábil e astuto, bom negociante, Chico conseguia as vezes burlar a censura e liberar algumas músicas "censuráveis". 

Findo o período militar, Chico teve sua irmã nomeada Ministro da Cultura. Sob sua desastrada gestão, vários artistas da MPB tiveram benefícios duvidosos da Lei Rouanet. Papagaio come milho, piriquito leva fama, Chico (que nunca se beneficiou dessa lei) acabou em desgraça. Teve seu nome massacrado nas redes sociais, que espalharam vários boatos maledicentes sobre sua pessoa. 
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval

Palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar
Link para mais letras  MPB
Link para outras antologias[5]