quarta-feira, 15 de abril de 2015

O monge de 300 anos–Padre Manuel Bernardes

O monge de trezentos anos

Padre Manuel Bernardes (Lisboa, 1644 – 1710)
Extraido de “Nova Floresta”, 1710

Padre Manuel Bernardes
Pe. Manuel Bernardes

Estando um Monge em matinas (1) com os outros religiosos do seu Mosteiro, quando chegaram aquilo do Salmo, onde se diz que “mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem, que já passou”, admirou-se grandemente, e começou a imaginar como aquilo podia ser. Acabadas as matinas, ficou em oração, como tinha de costume: e pediu afetuosamente a Nosso Senhor se servisse de lhe dar inteligência daquele verso. Apareceu-lhe ali, no coro, um passarinho, que cantando suavissimamente, andava diante dele dando voltas de uma para a outra parte, e deste modo o foi levando pouco a pouco até um bosque que estava junto do mosteiro, e ali fez seu assento sobre uma árvore; e o servo de Deus se pôs debaixo dela a ouvir. Dali a um breve intervalo (conforme o monge julgava) tomou o voo e desapareceu com grande mágoa do servo de Deus, o qual dizia mui sentido: “Ó passarinho da minha alma, para onde te fostes tão depressa?” Esperou. Como viu que não tornava, recolheu-se para o mosteiro, parecendo-lhe que aquela mesma madrugada depois de matinas tinha saído ele. Chegando ao convento, achou tapada a porta, que de antes costumava servir, e aberta outra de novo em outra parte. Perguntou-lhe o porteiro quem era, e a quem buscava. Respondeu-lhe:

- Eu sou o sacristão, que poucas horas há que saí de casa, e agora torno, e tudo acho mudado.

Perguntado também pelos nomes do abade e do prior, e procurador, ele lhos nomeou, admirando-se muito de que não o deixasse entrar no convento, e de que mostrava não se lembrar daqueles nomes. Disse-lhe que o levasse ao abade: e posto em sua presença, não se conheceram um ao outro; nem o monge sabia que dissesse, ou fizesse, mais que estar confuso e maravilhado de tão grande novidade. O abade então, iluminado por Deus, mandou vir os anais e histórias da ordem: onde, buscando, e achando os nomes que o monge apontava, se veio a averiguar com toda a clareza que eram passados mais de trezentos anos desde que o Monge saíra do Mosteiro até que tornara para ele. Então, este contou o que lhe havia sucedido, e os religiosos o aceitaram como a irmão seu do mesmo hábito. E ele, considerado na grandeza dos bens eternos, e louvando a Deus por tão grande maravilha, pediu os sacramentos, e brevemente passou desta vida com grande paz no Senhor.

(1) Matinas – primeiras orações do dia

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