A casa de pensão
Aloisio Gonçalves de Azevedo
(Extraído do livro “A casa de pensão”, 1884)
Morreu no dia seguinte.
A família ficou pobre. Foi preciso vender o melhor de dois prédios que restavam, para saldar as dívidas do defunto. A viúva principiou então a tomar encomendas de costura e de engomagem. Isso, porém, não bastava; era necessário, a todo o transe, que o menino continuasse nos estudos. Em tal aperto, lembrou-se a pobre mãe de admitir hóspedes; a casa que ficou tinha bastante cômodos e prestava-se admiravelmente para a coisa.
Vieram os primeiros inquilinos; arranjaram-se fregueses para o almoço e jantar, e o órfão prosseguiu nas suas aulas. Dentro de pouco tempo, o sobrado da viúva de Lourenço era a mais estimada e popular casa de pensão do Rio de Janeiro.
Foi nela que Janjão se fez homem. Aí o viram bacharelar-se e aí se matriculou na Escola Central. A irmã respeitava-o como a um pai.
Amélia, por conseguinte, cresceu em uma — casa de pensão. Cresceu no meio da egoística indiferença de vários hóspedes, vendo e ouvindo todos os dias novas caras e novas opiniões, absorvendo o que apanhava da conversa dos caixeiros e estudantes irresponsáveis; afeita a comer em mesa redonda, a sentir perto de si, ao seu lado, na intimidade doméstica — homens estranhos, que não se preocupavam com lhe aparecer em mangas de camisa, chinelas e peito nu.
Ainda assim deram-lhe mestres. Aprendera a ler e a escrever, tocava já o seu bocado de piano e — se Deus não mandasse o contrário — havia de ir muito mais longe.
Um novo desastre, veio, porém, alterar todos planos: a viúva de Lourenço, depois de dois meses de cama, sucumbiu a uma pneumonia. João Coqueiro estava então no segundo ano da Politécnica; Amélia a fazer-se mulher por um daqueles dias; parentes — não os tinham... capitais — ainda menos... Como, pois, sustentar a casa de pensão?... Oh! Era preciso despedir os hóspedes, alugar o prédio, abandonar os estudos e obter um emprego.
Arranjou-o de fato — na estrada de ferro de Pedro II. Coqueiro dissolveu logo a casa de pensão e foi mais a irmã residir em companhia de uma francesa, muito antiga no Brasil, e que durante longo tempo se mostrou amiga íntima da defunta.
Chamava-se Mme. Brizard. Era mulher de cinqüenta anos, viúva de um afamado hoteleiro, que lhe deixara muitas saudades e dúzia e meia de apólices da dívida pública.
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