domingo, 15 de fevereiro de 2015

Meus oito anos - Casimiro de Abreu


Meus oito anos
Casimiro de Abreu (1839-1860)
(Casimiro José Marques de Abreu)
Extraído de “As primaveras”, 1859

Nota do blogger : poema descreve um mundo que não existe mais. Quando o  mundo e as pessoas eram mais puras, ingênuas, esperançosas. É um poema saudosista e bastante “rural”. Descreve uma infância dourada, uma vida despreocupada de criança abastada e bem cuidada.
Casimiro de Abreu faleceu em 1860 aos 21 anos de idade, vitima da tuberculose. Teve uma vida intensa, morando em várias cidades do Brasil e Portugal, longe da família.
Poema bem recitado por Silvio Matos neste tube (apesar do chiado da trilha sonora) :


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem, mais!

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;

O mar é  lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!

O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!

Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
Pés descalços, braços nus

Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;

Rezava as Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

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Casimiro de Abreu


Lingua Portuguesa ("Ultima Flor do Lacio")

Língua Portuguesa - Olavo Bilac

("Ultima flor do Lácio")

Nota do bloguista :  O Português foi  a última língua derivada do Latim Vulgar falado no Lácio, uma região italiana. As línguas derivadas do Latim são chamadas de latinas ou românicas,  sendo as mais faladas: Francês, Espanhol, Italiano e Português.
    O termo "inculta" usado pelo poeta, se refere ao Latim Vulgar, era  falado por soldados, camponeses e camadas populares. Era diferente do Latim Clássico, empregado pelas classes superiores. Para Bilac, a Língua Portuguesa continuava a ser "bela", mesmo sendo originada de uma linguagem popular.
Devido a esse soneto, o Português era antigamente, as vezes, chamada de “ultima flor do Lácio”.
Olavo Bras Martins dos Guimarães Bilac, a titulo de curiosidade, foi o autor do Hino à Bandeira (“Salve lindo pendão da esperança...”).


Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...


Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!


Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,


em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


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Olavo Bilac




Os pobres–Olavo Bilac

Os pobres

Olavo Bilac
(Olavo de Bras Martins Bilac)

Aí vêm pelos caminhos,
Descalços, de pés no chão,
Os pobres que andam sozinhos,
Implorando compaixão.

Vivem sem cama e sem teto,
Na fome e na solidão:
Pedem um pouco de afeto,
Pedem um pouco de pão.

São tímidos? São covardes?
Têm pejo? Têm confusão?
Parai quando os encontrardes,
E dai-lhes a vossa mão!

Guiai-lhe os tristes passos!
Dai-lhes, sem hesitação,
O apoio do vossos braços,
Metade de vosso pão!

Não receeis que, algum dia,
Vos assalte a ingratidão:
O prêmio está na alegria
Que tereis no coração.

Protegei os desgraçados,
Órfãos de toda a afeição:
E sereis abençoados
Por um pedaço de pão .

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Pirolito–Olegário Mariano

Pirolito

Olegário Mariano
Extraido de “Canto da minha terra”, 1930

"Pirolito que bate bate,
Pirolito que já bateu.
Quem gosta de mim é ela,
Quem gosta dela sou eu".

Em meio à praça adormecida,
Ao luar que tece rendas no chão
Numa grande alegria da vida
As crianças dançam ... girando vão ...

Fazem roda de braços dados,
Riem num riso que nos faz bem.
Abrem os olhos afortunados ...
Que lindos olhos as crianças têm!

Uma magrinha, tatibitate*,
Na voz delgada que Deus lhe deu,
Esganiçada não canta, late:
“Pirolito que bate, bate,
Pirolito que já bateu.”
* tatibitate – irresoluta, tímida, que não sabe o que quer

As notas frescas se emudeceram
De uma tristeza que ninguém quis.
A voz daqueles que não sofreram,
Que não amaram... como é feliz!

Na singeleza, na ingenuidade
Dessa alegria que faz chorar,
A gente sente que anda a saudade
Cantando dentro do nosso olhar.

E recordamos as esperanças
Que o tempo, em sombras, adormeceu...
Nós outros, poetas, somos crianças,
Foi a nossa alma que envelheceu...

“Pirolito que bate, bate,
Pirolito que já bateu.”

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Retrato–Cecilia Meireles


Retrato - Cecilia Meireles

Cecilia Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
 

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
 

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

antologia língua portuguesa  cecilia meireles retrato


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Cajueiro pequenino–Juvenal Galeano

Cajueiro pequenino
Juvenal Galeano


Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor,
À sombra das tuas folhas
Venho cantar meu amor,
Acompanhado somente
Da brisa pelo rumor,
Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor.

Tu és um sonho querido
De minha vida infantil,
Desde esse dia... me lembro...
Era uma aurora de abril,
Por entre verdes ervinhas
Nasceste todo gentil,
Cajueiro pequenino,
Meu lindo sonho infantil.

Que prazer quando encontrei-te
Nascendo junto ao meu lar!
— Este é meu, este defendo,
Ninguém mo venha arrancar –
Bradei e logo cuidadoso,
Contente fui te alimpar,
Cajueiro pequenino,
Meu companheiro do lar.

Cresceste... se eu te faltasse,
Que de ti seria, irmão?
Afogado nestes matos,
Morto à sede no verão...
Tu que foste sempre enfermo
Aqui neste ingrato chão!
Cajueiro pequenino,
Que de ti seria, irmão?

Cresceste... crescemos ambos,
Nossa amizade também;
Eras tu o meu enlevo,
O meu afeto o teu bem;
Se tu sofrias... eu, triste,
Chorava como... ninguém!
Cajueiro pequenino,
Por mim sofrias também!

Quando em casa me batiam,
Contava-te o meu penar;
Tu calado me escutavas,
Pois não podias falar;
Mas no teu semblante, amigo,
Mostravas grande pesar,
Cajueiro pequenino,
Nas horas do meu penar!

Após as dores... me vias
Brincando ledo e feliz
O-tempo-será (1) e outros
Brinquedos que eu tanto quis!
Depois cismando a teu lado
Em muito verso que fiz...
Cajueiro pequenino,
Me vias brincar feliz!

Mas um dia... me ausentaram. .
Fui obrigado... parti!
Chorando beijei-te as folhas. . .
Quanta saudade senti!
Fui-me longe... muitos anos
Ausente pensei em ti...
Cajueiro pequenino,
Quando obrigado parti!

Agora volto, e te encontro
Carregadinho de flor!
Mas ainda tão pequeno,
Com muito mato ao redor...
Coitadinho, não cresceste
Por falta do meu amor,
Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor.

(1) o-tempo-será : não encontrei nenhum registro sobre este brinquedo. Talvez seja um jogo infantil antigo, que caiu no esquecimento. A quem puder me dizer do que se trata, agradeço.

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Raquel–Luis de Camões

Raquel - Luis de Camões

Extraído de “Obras completas de Luis de Camôes", 1873

Nota do blogger 1 - O soneto de Camões refere-se a uma passagem bíblica (Genesis, 30). Jacob, visita Labão, seu tio; e se apaixona pela filha deste, sua prima Raquel. Pediu então a Labão a mão da prima; e propôs em troca , como dote, sete anos de trabalho. Labão aceitou a proposta. Mas ao final de sete anos, Labão organizou um banquete, e na escuridão da noite entregou-lhe Lia, a primogênita. Jacob possuiu-a e na manhã seguinte constatou que era Lia e não Raquel com quem havia dormido. Cobrou explicações, e Labão alegou que era tradição do seu povo casar primeiro a filha mais velha, e que Raquel não podia “furar a fila”.  Resignado, propôs então outros sete anos de trabalho pela amada, Raquel.

Nota do blogger 2 - A Bíblia conta que Matusalém viveu 969 (Gênesis 5,27), Adão 930 anos, Set 912, Enosh 905, Qenan 910, Mahalalel 895, Yared 962, Enoch 365 e Lameck 777. O livro Exodo cita que Moises e o povo judaico vagaram perdidos no deserto por 40 anos. Portanto há muita contravérsia a respeito de quantos dias teria o ano judaico. Moises não teria vagado por 40 anos de 365 dias feito barata tonta no deserto, não teria chegado à Terra Prometida, a expectativa de vida não era tão grande na época. Não teria então Jacob servido 14 anos do nosso calendário gregoriano (de 365 dias), e sim por um período bem menor.

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida! 



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Jacob and Rachel - by Willian Dyce -

Marilia de Dirceu–Tomas Antonio Gonzaga-Parte II Lira XXVII

Marília de Dirceu - Parte II
Lira XXXVII

Tomás Antonio Gonzaga
Extraído de “Marília de Dirceu”

Nota do blogger : Tomás Antonio Gonzaga (Porto, 1744 – Moçambique, 1810) formou-se em Direito em Coimbra, e veio para o Brasil em 1782, onde exerceu cargos públicos. Casou-se com sua musa Marilia, D. Maria Dorotéia Joaquina de Seixas. Envolvido na Inconfidência, foi degradado para Moçambique. Ali abandonou a poesia e reconstruiu sua vida.


Meu sonoro Passarinho,
Se sabes do meu tormento,
E buscas dar-me, cantando,
Um doce contentamento,

Ah! não cantes mais, não cantes,
Se me queres ser propício;
Eu te dou em que me faças
Muito maior benefício.

Ergue o corpo, os ares rompe,
Procura o Porto da Estrela,
Sobe a serra, e se cansares,
Descansa num tronco dela,

Toma de Minas a estrada,
Na Igreja nova, que fica
Ao direito lado, e segue
Sempre firme a Vila Rica.

Entra nesta grande terra,
Passa uma formosa ponte,
Passa a segunda, a terceira
Tem um palácio defronte.

Ele tem ao pé da porta
Uma rasgada janela,
É da sala, aonde assiste
A minha Marília bela.

Para bem a conheceres,
Eu te dou os sinais todos
Do seu gesto, do seu talhe,
Das suas feições, e modos.

O seu semblante é redondo,
Sobrancelhas arqueadas,
Negros e finos cabelos,
Carnes de neve formadas.

A boca risonha, e breve,
Suas faces cor-de-rosa,
Numa palavra, a que vires
Entre todas mais formosa.

Chega então ao seu ouvido,
Dize, que sou quem te mando,
Que vivo nesta masmorra,
Mas sem alívio penando.

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O Palácio da Ventura-Antero de Quental

O Palácio da Ventura

Antero de Quental (Açores, 1842 – 1891)
(Antero Tarquinio de Quental)

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante (1)
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura !

Com grandes golpes bato à porta e brado:
“Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais! “

Abrem-se as portas d'ouro com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!

Antero de Quental, in "Sonetos"

(1) Anelante – desejoso, ansioso

 

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As pombas–Raimundo Correia

As pombas

Raimundo Correia (1859-1911)
(Raimundo da Mota Azevedo Correia)

Nota do blogger : este poema é sobre as frustações da vida, dos sonhos não realizados; de esperanças que voaram e não mais retornaram.

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raía sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... mas aos pombais as pombas voltam,
E eles* aos corações não voltam mais...

* eles – os sonhos : “e os sonhos aos corações não voltam mais”

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Plena Nudez–Raimundo Correia

Plena nudez

Raimundo Correia

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...

Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus... toda nua, da cabeça aos pés

 

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Esperança-Mário Quintana

Esperança

Mário Quintana

Nota do blogger : A cada ano que se inicia, o povo festeja, solta fogos. É um ano novo, e neste dia, não se sabe exatamente por quê, todos renovam as suas esperanças. E o ano velho morre no décimo segundo mês do ano. E em todo ano novo, renascem as esperanças.

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas , todos os reco-recos tocarem
atira-se
E — ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá (É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

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Mudam-se os tempos…Camões, Luiz Vaz de

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...

Luiz de Camões (Lisboa, 1524 – 1580)
(Luiz Vaz de Camões)

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor* espanto:
Que não se muda já como soía *.

· Mor - maior

· Soía – (português arcaico) – pretérito imperfeito, terceira pessoa do singular do verbo soer, “ter por costume”.

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