domingo, 15 de fevereiro de 2015

Raquel–Luis de Camões

Raquel - Luis de Camões

Extraído de “Obras completas de Luis de Camôes", 1873

Nota do blogger 1 - O soneto de Camões refere-se a uma passagem bíblica (Genesis, 30). Jacob, visita Labão, seu tio; e se apaixona pela filha deste, sua prima Raquel. Pediu então a Labão a mão da prima; e propôs em troca , como dote, sete anos de trabalho. Labão aceitou a proposta. Mas ao final de sete anos, Labão organizou um banquete, e na escuridão da noite entregou-lhe Lia, a primogênita. Jacob possuiu-a e na manhã seguinte constatou que era Lia e não Raquel com quem havia dormido. Cobrou explicações, e Labão alegou que era tradição do seu povo casar primeiro a filha mais velha, e que Raquel não podia “furar a fila”.  Resignado, propôs então outros sete anos de trabalho pela amada, Raquel.

Nota do blogger 2 - A Bíblia conta que Matusalém viveu 969 (Gênesis 5,27), Adão 930 anos, Set 912, Enosh 905, Qenan 910, Mahalalel 895, Yared 962, Enoch 365 e Lameck 777. O livro Exodo cita que Moises e o povo judaico vagaram perdidos no deserto por 40 anos. Portanto há muita contravérsia a respeito de quantos dias teria o ano judaico. Moises não teria vagado por 40 anos de 365 dias feito barata tonta no deserto, não teria chegado à Terra Prometida, a expectativa de vida não era tão grande na época. Não teria então Jacob servido 14 anos do nosso calendário gregoriano (de 365 dias), e sim por um período bem menor.

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida! 



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Jacob and Rachel - by Willian Dyce -

Marilia de Dirceu–Tomas Antonio Gonzaga-Parte II Lira XXVII

Marília de Dirceu - Parte II
Lira XXXVII

Tomás Antonio Gonzaga
Extraído de “Marília de Dirceu”

Nota do blogger : Tomás Antonio Gonzaga (Porto, 1744 – Moçambique, 1810) formou-se em Direito em Coimbra, e veio para o Brasil em 1782, onde exerceu cargos públicos. Casou-se com sua musa Marilia, D. Maria Dorotéia Joaquina de Seixas. Envolvido na Inconfidência, foi degradado para Moçambique. Ali abandonou a poesia e reconstruiu sua vida.


Meu sonoro Passarinho,
Se sabes do meu tormento,
E buscas dar-me, cantando,
Um doce contentamento,

Ah! não cantes mais, não cantes,
Se me queres ser propício;
Eu te dou em que me faças
Muito maior benefício.

Ergue o corpo, os ares rompe,
Procura o Porto da Estrela,
Sobe a serra, e se cansares,
Descansa num tronco dela,

Toma de Minas a estrada,
Na Igreja nova, que fica
Ao direito lado, e segue
Sempre firme a Vila Rica.

Entra nesta grande terra,
Passa uma formosa ponte,
Passa a segunda, a terceira
Tem um palácio defronte.

Ele tem ao pé da porta
Uma rasgada janela,
É da sala, aonde assiste
A minha Marília bela.

Para bem a conheceres,
Eu te dou os sinais todos
Do seu gesto, do seu talhe,
Das suas feições, e modos.

O seu semblante é redondo,
Sobrancelhas arqueadas,
Negros e finos cabelos,
Carnes de neve formadas.

A boca risonha, e breve,
Suas faces cor-de-rosa,
Numa palavra, a que vires
Entre todas mais formosa.

Chega então ao seu ouvido,
Dize, que sou quem te mando,
Que vivo nesta masmorra,
Mas sem alívio penando.

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O Palácio da Ventura-Antero de Quental

O Palácio da Ventura

Antero de Quental (Açores, 1842 – 1891)
(Antero Tarquinio de Quental)

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante (1)
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura !

Com grandes golpes bato à porta e brado:
“Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais! “

Abrem-se as portas d'ouro com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!

Antero de Quental, in "Sonetos"

(1) Anelante – desejoso, ansioso

 

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As pombas–Raimundo Correia

As pombas

Raimundo Correia (1859-1911)
(Raimundo da Mota Azevedo Correia)

Nota do blogger : este poema é sobre as frustações da vida, dos sonhos não realizados; de esperanças que voaram e não mais retornaram.

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raía sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... mas aos pombais as pombas voltam,
E eles* aos corações não voltam mais...

* eles – os sonhos : “e os sonhos aos corações não voltam mais”

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Plena Nudez–Raimundo Correia

Plena nudez

Raimundo Correia

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...

Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus... toda nua, da cabeça aos pés

 

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Esperança-Mário Quintana

Esperança

Mário Quintana

Nota do blogger : A cada ano que se inicia, o povo festeja, solta fogos. É um ano novo, e neste dia, não se sabe exatamente por quê, todos renovam as suas esperanças. E o ano velho morre no décimo segundo mês do ano. E em todo ano novo, renascem as esperanças.

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas , todos os reco-recos tocarem
atira-se
E — ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá (É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

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Mudam-se os tempos…Camões, Luiz Vaz de

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...

Luiz de Camões (Lisboa, 1524 – 1580)
(Luiz Vaz de Camões)

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor* espanto:
Que não se muda já como soía *.

· Mor - maior

· Soía – (português arcaico) – pretérito imperfeito, terceira pessoa do singular do verbo soer, “ter por costume”.

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