quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Sobre o autor deste blog

Claudio 3x41

Olá !

Meu nome é Claudio M. Hagi.
Moro em Curitiba, no bairro Hugo Lange.

Não sou professor de Português, muito menos formato em Letras. Simplesmente por que sou apaixonado pela língua portuguesa.  Fiz este blog por simples hobby. E também por que senti que tinha recursos suficientes para faze-lo (não estou me referindo a recursos financeiros), e deixar de fazê-lo seria uma pena, porque dificilmente outra pessoa iria se propor a trabalho semelhante.

 

Meu contato :
cmh@netpar.com.br

Grande abraço !
Claudio

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ANTOLOGIA DA LINGUA PORTUGUESA–TEXTOS


Segue abaixo a relação dos textos selecionado.  Clique sobre o título que desejar ler.    

Amado, Jorge             Infancia (Jorge Amado)
Aranha, Graça           Os viajantes (Graça Aranha)
Assis, Machado de,    A borboleta negra (Machado de Assis)
Assis, Machado de     Iaiá Garcia (Machado de Assis)
Almeida, Manuel Antonio de, Declaração de amor (Manuel Antonio de Almeida)

Almeida, Manuel Antonio de, Leonardo e Luisinha (Manuel Antonio de Almeida)
Almeida, Manuel Antonio de, Leonardo e Luisinha (Manuel Antonio de Almeida)
Aranha, Graça          Mocidade e revolução (Graça Aranha)
Azevedo, Aloísio       A casa de pensão (Aloisio de Azevedo)
Azevedo, Aluisio       O Coruja (Aluisio de Azevedo)
Barreto, Lima,          A lição de violão (Lima Barreto)
Pena, Martins           Juiz de Paz na roça (Martins Pena)
Castelo Branco, Camilo   Angela (Camilo Castelo Branco)
Caminha, Adolfo              Dona Carolina (Adolfo Caminha)
Caminha, Adolfo              O Bom-Criolo (Adolfo Caminha)
Campos, Humberto de    O brinquedo roubado (Humberto de Campos)
Campos, Humberto de     Dindinha (Humberto de Campos)
Campos, Humberto de     Um general que não chegou a soldado (Humberto de Campos)
Corção, Gustavo               Os rubis de Burma (Gustavo Corção)
D´Arcos, Paço                   A enferma (Paço D´Arcos)
Dupré, Maria José Leandro  Eramos seis (Maria José Leandro Dupré)
Lispector,  Clarice                  Feliz aniversário (Clarice Lispector)
Machado, Anibal              O condenado (Anibal Machado)
Neto, Coelho                     O mar (Coelho Neto)
Oliveira,  Aluísio Gonçalves de  A tapera (Aluísio Gonçalves de Oliveira)
Queiróz, Eça                    Pequena reunião (Eça de Queiróz)
Queiroz, Rachel de,        Vicente (Rachel de Queiroz)
Ramos, Graciliano          Marta (Graciliano Ramos)
Ramos, Graciliano          Luiza (Graciliano Ramos)
Ramos, Graciliano,         O sacrifício da cadela Baleia (Vidas Secas, Graciliano Ramos)
Ribeiro, João                   A excecução de Tiradentes (João Ribeiro)
Ribeiro, Julio                  A moagem (Julio Ribeiro)
Rego, Jose Lins do         Trabalho para camumbembe (José Lins do Rego)
Rego, José Lins do         O engenho do seu Lula (José Lins do Rego)
Saramago, José              Deolinda (José Saramago)

Veiga, José J.                  Os cavalinhos de Platiplanto (José J. Veiga)


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O sacrifício da cadela Baleia


Sacrificio da cadela Baleia - Vidas secas - Graciliano Ramos 

Extraido do livro “Vidas Secas”
Graciliano Ramos

Nota do blogueiro : Suspeitando que Baleia estivesse doente, com hidrofobia, seu dono Fabiano decide mata-la, e assim poupa-la de maiores sofrimentos. Sua esposa, Sinha Vitória leva os dois filhos do casal para dentro de casa, para poupa-los da cena. A empatia do escritor com a cadela em seu  sofrimento final é inacreditável, uma das mais belas passagens da literatura brasileira.  Baleia morre, mas acordaria no céu, um mundo “ todo cheio de preás gordos, enormes”.

   A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
    Por isso Fabiano imaginava que ela estivesse com principio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel.
Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.
    Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta:    - Vão bulir com a Baleia?    Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-os, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo. Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se difereciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras.    Quiseram mexer na taramela e abrir a porta, mas sinhá vitória levou-os para a cama de varas, deitou-os e esforçou-se por tapar-lhes os ouvidos: prendeu a cabeça do mais velho entre as coxas e espalmou as mãos nas orelhas do segundo. Como os pequenos resistissem, aperreou-­se e tratou de subjugá-los, resmungando com energia.
   
Ela também tinha o coração pesado, mas resignava-se: naturalmente a decisão de Fabiano era necessária e justa. Pobre da Baleia.
   
Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia.
   
Os meninos começaram a gritar e a espernear. E como sinhá Vitória tinha relaxado os músculos, deixou escapar o mais taludo e soltou uma praga:     - Capeta excomungado.
   
Na luta que travou para segurar de novo o filho rebelde, zangou-se de verdade. Safadinho. Atirou um cocorote ao crânio enrolado  na coberta vermelha e na saia de ramagens.
(…)
    Examinou o terreiro, viu Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco, levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente.
    Ouvindo o tiro e os latidos, sinha Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na cama, chorando alto. Fabiano recolheu-se.
    E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de losna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos.
    Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda.
    Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira, evitava as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha folhas secas e gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros.
    Caiu antes de alcançar essa cova arredada. Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as pernas dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-se a custo, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto às pedras onde os meninos jogavam cobras mortas.
    Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão.
   Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornavam-se quase imperceptíveis.
   Como o sol a encandeasse, conseguiu adiantar-se umas polegadas e escondeu-se numa nesga de sombra que ladeava a pedra.
    Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria acontecendo? O nevoeiro engrossava e aproximava­-se.
    Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito.  Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os preás, que pulavam e corriam em liberdade.
    Começou a arquejar penosamente, fingindo ladrar. Passou a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava:  certamente os preás tinha fugido.
    Esqueceu-os e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido. Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas.
    O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das pestanas caídas. Ficou assim algum tempo, depois  sossegou. Fabiano e a coisa perigosa tinham-se sumido.
    Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera.
   Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o fartum do chiqueiro espalhou-se pela vizinhança.
    Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao bebedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meninos. Estranhou a ausência deles.
    Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde sinha Vitória guardava o cachimbo.
    Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silencio completo, nenhum sinal de vida nos arredores. O velho galo não cantava no poleiro, nem Fabiano roncava na cama de varas. Estes sons não interessavam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano se virava, emanações familiares revelavam-lhe a presença deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado.       
    Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a lingua pendente e insensivel. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil ao barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.
     Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.
 
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Graciliano Ramos
















A borboleta negra

Extraído de “Memórias Póstumas de Bras Cubas”
Machado de Assis

Nota do bloguista : as borboletas negras eram consideradas sinal de mau agouro, azarentas. Também simbolizavam a morte. As borboletas azuis, ao contrário, eram sinal de boa sorte.Daí o autor, Machado de Assis, se justifica: “Também por que diabo não era ela azul?”.

    No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior do que ela. Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me; entrei logo a pensar na filha de Dona Eusébia, no susto que tivera, e na dignidade que, apesar dele, soube conservar. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi pousar na vidraça; e, porque eu a sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um velho retrato de meu pai. Era negra como a noite. O gesto brando com que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha certo ar escarninho, que me aborreceu muito. Dei de ombros, sai do quarto; mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão dos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu.
   
Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado.
— Também por que diabo não era ela azul? Disse comigo.
   
E esta reflexão, — uma das mais profundas que se tem feito, desde a invenção das borboletas, — me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela sairá do mato, almoçada e feliz. A manhã era linda. Veio por ali fora, modesta e negra, espairecendo as suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas.
   
Passa pela minha Janela entra e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um ho¬mem; não sabia, portanto, o que era o homem; descreveu infinitas voltas em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. Então disse consigo: "Este é provavelmente o inventor das borboletas." A idéia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e beijou-me na testa. Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericórdia.
   
Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última idéia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as próvidas formigas.... Não, volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.

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Declaração de amor

Manuel Antonio de Almeida
(do livro Memorias de um Sargento de Milicias),

    Mas em amor, assim como em tudo, a primeira saída é o mais difícil. Todas as vezes que esta idéia vinha à cabeça do pobre rapaz, passava-lhe uma nuvem escura por diante dos olhos ebanhava-se-lhe o corpo em suor. Muitas semanas levou a compor, a estudar o que havia de dizer a Luizinha quando aparecesse o momento decisivo. Achava com facilidade milhares de idéias brilhantes; porém mal tinha assentado em que diria isto ou aquilo, e já isto e aquilo lhe não parecia bom.
   
Por várias vezes tivera ocasião favorável para desempenhar a sua tarefa, pois estivera a sós com Luizinha; porém nessas ocasiões nada havia que pudesse vencer um tremor de pernas que se apoderava dele, e que não lhe permitia levantar-se do lugar onde estava, e um engasgo que lhe sobrevinha, e que o impedia de articular uma só palavra.
   
Enfim, depois de muitas lutas consigo mesmo para vencer o acanhamento, tomou um dia a resolução de acabar com o medo, e dizer-lhe a primeira coisa que lhe viesse à boca.
   
Luizinha estava no vão de uma janela a espiar para a rua pela rótula; Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante pé, parou e ficou imóvel como uma estátua atrás dela, que, entretida para fora, de nada tinha dado fé. Esteve assim por longo tempo calculando se devia falar em pé ou se devia ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quisesse tocar no ombro de Luizinha, mas retirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por aí não ia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e ia já levantando a mão quando também se arrependeu. Durante todos estes movimentos o pobre rapaz suava a não poder mais. Enfim, um incidente veio tirá-lo da dificuldade. Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava, e tomado de terror por se ver apanhado naquela posição, deu repentinamente dois passos para trás, e soltou um — ah! — muito engasgado. Luizinha, voltando-se, deu com ele diante de si, e recuando espremeu-se de costas contra a rótula; veio-lhe também outro — ah! — porém não lhe passou da garganta, e conseguiu apenas fazer uma careta.
   
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma posição, até que o Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio, e com voz trêmula e em tom o mais sem graça que se possa imaginar perguntou desenxabidamente:
   
— A senhora... sabe... uma coisa?
    E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola. Luizinha não respondeu. Ele repetiu no mesmo tom:
    — Então... a senhora... sabe ou... não sabe?
   
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luizinha conservou-se muda.
   
— A senhora bem sabe... é porque não quer dizer...
   
Nada de resposta.
   
— Se a senhora não ficasse zangada... eu dizia...
   
Silêncio.
   
— Está bom... eu digo sempre... mas a senhora fica ou não fica zangada?
   
Luizinha fez um gesto de quem estava impacientada.
   
— Pois então eu digo... a senhora não sabe... eu... eu lhe quero... muito bem.
   
Luizinha fez-se cor de uma cereja; e fazendo meia-volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo, pois alguém se aproximava. Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela lhe dera porém não de todo descontente: seu olhar de amante percebera que o que se acabava de passar não tinha sido totalmente desagradável a Luizinha.
   
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e assentou-se, pois se achava tão fatigado como se tivesse acabado de lutar braço a braço com um gigante.

 

Clique no casalzinho para ler mais sobre eles: Casal

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O engenho do seu Lula

O engenho do seu Lula - Fogo morto - Jose Lins do Rego

(Fogo morto, 2ª parte, capítulo 4, 1943.)

Nota do bloguista : finda a escravidão, escravos libertos; o engenho Santa Fé viu se sem mão de obra, abandonado. Nos tempos da escravidão seu Lula, dono do engenho era cruel com os negros, o que valeu-lhe a repudia da sociedade. Decretada a Abolição, os negros abandonaram o engenho, deixando seu Lula e sua família completamente sem amparo. Dona Amélia, esposa do seu Lula, entre desgostosa e orgulhosa, descreve o marido e os seus tempos de glória. Procura amenizar a figura malfazeja do marido, pintando o como bom pai e marido, culpando Deodato, o feitor, pelos maus tratos aos agora libertos escravos.

Chegou a abolição e os negros do Santa Fé se foram para os outros engenhos. Ficara somente com seu Lula o boleeiro Macário, que tinha paixão pelo ofício. Até as negras da cozinha ganharam o mundo. E o Santa Fé ficou com os partidos no mato, com o negro Deodato sem gosto para o eito, para a moagem que se aproximava. Só a muito custo apareceram trabalhadores para os serviços do campo. Onde encontrar mestre de açúcar, caldeireiros, purgador? O Santa Rosa acudiu o Santa Fé nas dificuldades, e seu Lula pôde tirar a sua safra pequena. O povo cercava os negros libertos para ouvir histórias de torturas. 
Fazia-se romance com os sofrimentos das vítimas de Deodato. Quando o carro do capitão Lula de Holanda passava, corria gente para ver o monstro, todo bem vestido, com a família cheia de luxo, que ia para a missa. Um jornal da Paraíba falara em crimes da escravidão e nomeava o Santa Fé, o Itapuá, como de senhores algozes. D. Amélia leu o artigo e chorou com as palavras impiedosas. Não era assim. Tudo aquilo perturbava a vida do Santa Fé. Ela bem que sentia que o marido vinha mudando de humores. Raras vezes era aquele Lula de outrora, de olhar cismarento, o homem de tanta ternura para com sua mulher. Agora não parecia que a quisesse como antigamente. Via-o no pegadio com a filha que voltara do colégio de Recife, uma moça feita. Neném era a cara do pai. Dela não tenha coisa nenhuma. Achava linda a sua filha. Tinha aqueles cabelos louros, e os olhos azuis, a pele macia, branca como alfenim. E era uma menina doce, tão sem gênio que encantava a todo o mundo. Viera do primeiro ano do colégio das freiras cheia de devoção, com modos de moça. O pai cercava-a de cuidados, de um zelo que ela, como mãe, achava até exagerado. Seria a sua filha a moça mais bem educada da várzea. Iam ao Pilar de carruagem, e reparava como o marido olhava embevecido para a menina, no banco da frente, vestida como gente grande. Sabia que o povo falava mal de seu marido. Via os olhares que sacudiam em cima de todos quando entravam na igreja. No tempo de seu pai tudo era bem diferente. Viam-se cercados dos conhecidos do Pilar, das filhas do juiz, das irmãs do padre, dos amigos do capitão Tomaz. Agora era sair do carro e entrar na igreja: voltar da igreja para o carro. O que haveria contra Lula para aquela hostilidade? Seria que fosse inveja? Lula era homem de sua casa, de certo trato, de orgulho que ela não apoiava. Era o orgulho do marido. Havia nele uma maneira de sentir as coisas que talvez desgostasse a gente do Pilar. Lula falava de sua família de Pernambuco com soberba. Não procurava discussão com o marido por motivos assim, sem importância. Deixava que ele ficasse com seu orgulho de raça. Para que brigar? Família era para Lula coisa sagrada. Fora infeliz com o pai, sofrera o diabo com a mãe viúva, perseguida pela política. Lula tinha razão de falar do seu povo com aquela arrogância toda. Em casa ele só via a filha. Dizia sempre que Neném era a cara da sua mãe. Nunca vira semelhança igual. Tinha tudo da família de Recife, dos velhos Chacon, gente que sabia entrar e sair, gente de trato, sem aquela bruteza dos engenhos. D. Amélia não contrariava o marido mas sentia-se com aquele falar de desprezo com os seus. Por que Lula falava assim contra o povo dos engenhos?
Não era ele parente do povo do seu pai? Até aquele dia não tivera a menor rusga com o seu marido. O que ele queria que fizesse, fazia sem protesto. Neném era como se só fosse filha dele. Lula fazia de pai e de mãe da menina. A princípio achou bonito aquela dedicação do marido. Tudo que fosse para Neném teria que ser feito por ele. Agora via que Lula exagerava. Moça só se entendia bem com a mãe. Seria a mãe quem saberia melhor de sua precisão, de seus desejos. Lula fazia de Neném toda a razão de sua vida. Quando a menina estava no colégio escrevia cartas compridas, longas cartas que ela não sabia o que mandavam dizer. Que assunto teria o seu marido para escrever tanto a uma filha moça de colégio? Não lhe falava daquilo para que ele não desconfiasse. Neném escrevia muito ao pai. Às vezes, Lula lhe lia as cartas da filha, doutras não lhe mostrava nada. Perguntava-lhe:
- Então, Lula, o que Neném mandou dizer?
O marido dava uma desculpa qualquer e mudava de assunto. Neném era uma menina tão cândida, tão doce. Tinha receio que as cavilações do pai estragassem a menina. Por mais que temesse não se meteria a contrariar o marido. Lembrava-se da fúria que se apoderara dele quando o procurou para condenar as ações de Deodato. Sabia que os negros estavam apanhando sem necessidade e procurara Lula para lhe falar daquela miséria. Nunca vira uma pessoa exasperar-se tanto. Era como se ela tivesse se revoltado. Vira o que sua mãe sofrera com a malquerença de Lula. Pobre de sua mãe que se dera como uma escrava aos seus deveres. Fora ingrata com ela. Uma das coisas que mais lhe doíam era pensar na morte dela, depois daquela noite da discussão com Lula. Tudo por causa de Neném. Aquele amor de seu marido, aquele cuidado pela filha, não podia ser boa coisa para a criação da moça. E era todo o pensamento de D. Amélia. Os negros do engenho se foram, até as negras de sua mãe não quiseram ficar na cozinha. Os do Santa Rosa haviam ficado na senzala. Eram amigos do senhor de engenho. Se o seu pai estivesse vivo, tudo seria como no Santa Rosa. Via-se D. Amélia cercada de pensamentos que não desejava que fossem seus. Lula não gostava dos negros. No dia da abolição os pobres foram para a frente do engenho, doidos de alegria. Teve medo. O feitor ganhara a catinga, e Lula trouxera para a sala os clavinotes armados. Os negros cantavam no pátio, com uma fogueira acesa. Ninguém dormiu naquela noite. A negra Germana chorava como menina. A cantoria era de coco, era de reza, era dança, e ao mesmo tempo parecia um bendito de igreja. Lula trancara Neném no quarto, e de clavinote entre as pernas ficara sentado no sofá, à espera de inimigo que lhe viesse ao encontro. A noite se foi, a madrugada apareceu. Na estrada, os negros dos outros engenhos passavam aos gritos. Gritaram na porta da casa-grande. Lula permanecera na porta e eles partiram. Era um cabra do Pilar, com um grupo de negros.
- Capitão, nós estamos atrás de Deodato.
Lula, com a voz trêmula de raiva, não se conteve. Aos gritos respondeu que fossem para o inferno. O cabra não continuou, mas quando o capitão Lula de Holanda cessou a raiva ele foi dizendo:
- Capitão, nós estamos aqui para pegar o seu feitor. É ordem do delegado.
- Ordem de quem? Ordem de quem?
E D. Amélia viu o seu marido pegar do clavinote e apontar para os negros:
- Cambada de cachorros, saiam de minha porta senão mando fogo.
Os negros se foram de cabeça baixa, e ela viu pela primeira vez uma coisa horrível. O seu marido empalidecer, procurar o sofá e cair com o corpo todo se torcendo, como se tudo nele fosse se partir. Aquilo durou uns minutos, mas foram os instantes piores da sua vida. A baba branca que saía da boca de Lula, o bater desesperado dos braços, das pernas, fizeram-lhe medo. Correu para dentro de casa. E não havia uma viva alma lá dentro. Todas as negras tinham se ido. A casa vazia. Só Olívia no quarto falava, falava sem parar. Voltou para a sala e viu que Lula voltava a si, e teve pena de ver o marido no estado em que estava.
- Amélia, Amélia, manda Germana preparar um escalda-pé para mim.
E com aquela impressão terrível voltou para a cozinha. Lá havia um silêncio mortal. A cozinha do Santa Fé, sem uma negra, despovoada de sua gente. Todos se foram, todas as negras ganharam o mundo, até a negra Margarida que criara Neném. Não havia quem quisesse ficar no Santa Fé. O ataque de Lula obrigara-a a pensar na vida com medo. O marido era um homem doente. Vivera com ele até aquele dia e nunca acontecera nada demais. Era um homem de boa saúde. E de repente vira-o naquele estado de penúria. Sofria de ataques. E quando apareceu com a bacia com a água quente, Lula parecia que voltara da morte. Tinha os olhos fundos, a cara de um homem dez anos mais velho. Ficara ele em silêncio absoluto até o dia seguinte. A noite, na casa-grande, Olivia resmungava, falava, com aquela agonia de sempre. Ela estava só, completamente só. Lula deitara-se para dormir. Começou a ter medo. Era capaz de os negros libertos de outros engenhos aparecerem ali para atacá-los. As cantorias do coco enchiam a noite de um baticum que não parava. Agora percebia bem o canto da negrada, lá para as bandas do Pilar. Os negros dançavam de alegria, na festa da liberdade. Os negros de seu engenho, os que foram de seu pai, estavam no coco fazendo o que bem quisessem.

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José Lins do Rego















A Lição de Violão (Lima Barreto)

 

Extraído de “O triste fim de Policarpo Quaresma”, 1915
Lima Barreto

Nota do bloguista : o texto é de 1915. quanto então tocar violão era coisa de malandro, de pessoa desocupada. Como pode se ler no texto: “...Um homem tão sério metido nessas malandragens!”; “…À vista de tão escandaloso fato (de Policarpo comprar um violão), a consideração e o respeito que o Major Policarpo Quaresma merecia nos arredores de sua casa, diminuíram ...”. O instrumento era tão mal visto que não poderia ser exibido em público  : “a guitarra vinha decentemente embrulhada em papel, mas o vestuário não lhe escondia inteiramente as formas”.

Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo, às vezes, e sempre o pão da padaria francesa.

Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde, sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a aparição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito.

A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: "Alice, olha que são horas; o Major Quaresma já passou."

E era assim todos os dias, há quase trinta anos. Vivendo em casa própria e tendo outros rendimentos além do seu ordenado, o Major Quaresma podia levar um trem de vida superior ao seus recursos burocráticos, gozando, por parte da vizinhança, da consideração e respeito de homem abastado.

Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo. Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecera, fora a do doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: "Se não era formado, para quê? Pedantismo!"

O subsecretário não mostrava os livros a ninguém, mas acontecia que, quando se abriam as janelas da sala de sua livraria, da rua poder-se-iam ver as estantes pejadas de cima a baixo.

Eram esses os seus hábitos; ultimamente, porém, mudara um pouco; e isso provocava comentários no bairro. Além do compadre e da filha, as únicas pessoas que o visitavam até então, nos últimos dias, era visto entrar em sua casa, três vezes por semana e em dias certos, um senhor baixo, magro, pálido, com um violão agasalhado numa bolsa de camurça. Logo pela primeira vez o caso intrigou a vizinhança. Um violão em casa tão respeitável! Que seria?

E, na mesma tarde, uma das mais lindas vizinhas do major convidou uma amiga, e ambas levaram um tempo perdido, de cá para lá, a palmilhar o passeio, esticando a cabeça, quando passavam diante da janela aberta do esquisito subsecretário. Não foi inútil a espionagem. Sentado no sofá, tendo ao lado o tal sujeito, empunhando o "pinho" na posição de tocar, o major, atentamente, ouvia: "Olhe, major, assim". E as cordas vibravam vagarosamente a nota ferida; em seguida, o mestre aduzia: "É 'ré', aprendeu?" Mas não foi preciso pôr na carta; a vizinhança concluiu logo que o major aprendia a tocar violão. Mas que coisa? Um homem tão sério metido nessas malandragens!

Uma tarde de sol — sol de março, forte e implacável — aí pelas cercanias das quatro horas, as janelas de uma erma rua de São Januário povoaram-se rápida e repentinamente, de um e de outro lado. Até da casa do general vieram moças à janela! Que era? Um batalhão? Um incêndio? Nada disto: o Major Quaresma, de cabeça baixa, com pequenos passos de boi de carro, subia a rua, tendo debaixo do braço um violão impudico. É verdade que a guitarra vinha decentemente embrulhada em papel, mas o vestuário não lhe escondia inteiramente as formas. À vista de tão escandaloso fato, a consideração e o respeito que o Major Policarpo Quaresma merecia nos arredores de sua casa, diminuíram um pouco.

Estava perdido, maluco, diziam.Ele, porém, continuou serenamente nos seus estudos, mesmo porque não percebeu essa diminuição. Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava pince-nez, olhava sempre baixo, mas, quando fixava alguém ou alguma coisa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da coisa que fixava. Contudo, sempre os trazia baixos, como se se guiasse pela ponta do cavanhaque que lhe enfeitava o queixo.

Vestia-se sempre de fraque, preto, azul, ou de cinza, de pano listrado, mas sempre de fraque, e era raro que não se cobrisse com uma cartola de abas curtas e muito alta, feita segundo um figurino antigo de que ele sabia com precisão a época.

Quando entrou em casa, naquele dia, foi a irmã quem lhe abriu a porta, perguntando:

—Janta já?

—Ainda não. Espere um pouco o Ricardo que vem jantar hoje conosco.

—Policarpo, você precisa tomar juízo. Um homem de idade, com posição, respeitável, como você é, andar metido com esse seresteiro, um quase capadócio — não é bonito!

O major descansou o chapéu-de-sol — um antigo chapéu-de-sol, com a haste inteiramente de madeira, e um cabo de volta, incrustado de pequenos losangos de madrepérola — e respondeu:

—Mas você está muito enganada, mana. É preconceito supor-se que todo homem que toca violão é um desclassificado. A modinha é a mais genuína expressão da poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede. Nós é que temos abandonado o gênero, mas ele já esteve em honra, em Lisboa, no século passado, com o Padre Caldas, que teve um auditório de fidalgas. Beckford, um inglês notável, muito o elogia.

—Mas isso foi em outro tempo; agora...

—Que tem isso, Adelaide? Convém que nós não deixemos morrer as nossas tradições, os usos genuinamente nacionais...

—Bem, Policarpo, eu não quero contrariar você; continue lá com as suas manias.

O major entrou para um aposento próximo, enquanto sua irmã seguia em direitura ao interior da casa. Quaresma despiu-se, lavou-se, enfiou a roupa de casa, veio para a biblioteca, sentou-se a uma cadeira de balanço, descansando.

-----FIM ----

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Vicente

Raquel de Queiroz

Extraido de “O quinze”

Encostado a uma jurema seca, defronte ao juazeiro que a foice dos cabras ia pouco a pouco mutilando, Vicente dirigia a distribuição de rama verde ao gado. Reses magras, com grandes ossos agudos furando o couro das ancas, devoravam confiadamente os rebentões que a ponta dos terçados espalhava pelo chão. Era raro e alarmante, em março, ainda se tratar de gado. Vicente pensava sombriamente no que seria de tanta rês, se de fato não viesse o inverno. A rama já não dava nem para um mês. Imaginara retirar uma porção de gado para a serra. Mas, sabia lá? Na serra, também, o recurso falta... Também o pasto seca... Também a água dos riachos afina, afina, até se transformar num fio gotejante e transparente. Além disso, a viagem sem pasto, sem bebida certa, havia de ser um horror, morreria tudo.
   
Uma vaca que se afastava chamou a atenção do rapaz, que deu um grito:
   
- Eh! menino, olha a Jandaia! Tange para cá! E chamando o vaqueiro:
   
- Você viu, compadre João, como a Jandaia tem carrapato? Até no focinho!
   
O João Marreca olhou para o animal que todo se pontilhava de verrugas pretas, encaroçando-lhe o úbere, as pernas, o corpo inteiro:
   
- Tem umas ainda pior... Carece é carrapaticida muito... E as reses assim fracas...
    Vicente lastimou-se:
   
- Inda por cima do verãozão, diabo de tanto carrapato... Dá vontade é de deixar morrer logo!
   
- Por falar em deixar morrer... o compadre já soube que a Dona Maroca das Aroeiras deu ordens pra, se não chover até o dia de São José, abrir as porteiras do curral? E o pessoal dela que ganhe o mundo... Não tem mais serviço pra ninguém.
   
Escandalizado, indignado, Vicente saltou de junto da jurema onde se encostava:
   
- Pois eu, não! Enquanto houver juazeiro e mandacaru em pé e água no açude, trato do que é meu! Aquela velha é doida! Mal empregado tanto gado bom!
E depois de uma pausa, fitando um farrapo de nuvem que se esbatia no céu longínquo:
   
- E se a rama faltar, então, se pensa noutra coisa. Também não vou abandonar meus cabras numa desgraça dessas... Quem comeu a carne tem de roer os ossos...
   
O vaqueiro bateu o cachimbo num tronco e pigarreou um assentimento.
   
Vicente continuou:
   
- Do que tenho pena é do vaqueiro dela... Pobre do Chico Bento, ter de ganhar o mundo num tempo destes, com tanta família!...
   
- Ele já está fazendo a trouxa. Diz que vai pro Ceará e de lá embora pro Norte...
   
Vicente se dirigiu ao seu velho pedrês, enquanto o vaqueiro comentava:
   
- Nem parece que este bicho come milho todo dia... já tão descarnado!...
   
Vicente montou.
   
- Vocês fiquem por aqui, até acabar. Eu tenho que fazer lá em casa.
   
Sacudido pela estrada larga do quartau, seguiu rápido, o peito entreaberto na blusa, todo vermelho e tostado do sol, que lá no céu, sozinho, rutilante, espalhava sobre a terra cinzenta e seca uma luz que era quase como fogo.
   
Chegando em casa, o pai, que fumava numa rede do alpendre, foi-lhe ao encontro:
    - Que tal a rama?
   
- Boa... o gado vai comendo...
   
- E o carrapato?
   
- Ah, o carrapato é que está ruim. Meu pai ainda não viu aquelas reses que pastam lá para a lagoa cercada? Faz pena! Vou até mandar buscar mais carrapaticida em Quixadá.
   
O Major atalhou:
   
- Em Quixadá não tem de venda. Pode ser que se encontre um resto é no Logradouro. Domingo, a comadre Inácia banhou o gado dela todo.
   
O moço foi entrando em casa:
   
- Então, depois do almoço vou lá.
   
Novamente a cavalo no pedrês, Vicente marchava através da estrada vermelha e pedregosa, orlada pela galharia negra da caatinga morta. Os cascos do animal pareciam tirar fogo nos seixos do caminho. Lagartixas davam carreirinhas intermitentes por cima das folhas secas do chão que estalavam como papel queimado. O céu, transparente que doía, vibrava, tremendo feito uma gaze repuxada. Vicente sentia por toda parte uma impressão ressequida de calor e aspereza. Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapou à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casca toda raspada em grandes zonas brancas. E o chão, que em outro tempo a sombra cobria, era uma confusão desolada de galhos secos, cuja agressividade ainda mais se acentuava pelos espinhos.
   
Quando o rapaz deu de frente com a casa do Logradouro, toda branca, trepada num alto vermelho e nu, viu logo Conceição, no alpendre, resguardando os olhos com a mão em pala e procurando identificar o visitante que chegava na poeira do sol. Ao reconhecer Vicente, enfiou a cabeça pela banda aberta da meia-porta e gritou para a avó, que bilrava lá dentro:
   
- Mãe Nácia! o Vicente!
   
A velha chegou, metendo os óculos na caixa. Vicente, apeado, apertava alegremente a mão de Conceição, e dizia:
   
- Ainda aqui? Eu já fazia você na cidade!
   
Ela explicava:
   
- Pedi uma licença de um mês, para ver se a Mãe Nácia, quando se desenganar do inverno, vai comigo.
    
Vicente voltou-se para Dona Inácia, beijou-lhe a mão:
   
- E o que resolveu, tia Inácia?
  
- Não sei... por ora... Valha-me Deus! Mas como vai sua gente?
   
- Tudo bem. Mandaram lembranças.
   
As redes brancas, armadas das colunas à parede, com as varandas pendentes, ofereciam o seu conchego macio. já Vicente sentado, Conceição dizia:
   
- Que sol horrível! Não sei como não cega a gente... já estou preta e descascando, só do mormaço.
   
- Quanto mais eu, que passo o dia a cavalo...
   
A velha interveio:
   
- Mas você não é moreno como Conceição. Branco leva sol, fica corado; preto fica cinzento...
   
Vicente riu; deu um balanço na rede, e falou no que o trouxera ao Logradouro:
   
- Eu vim aqui para lhe pedir um favor. Soube que a senhora tinha carrapaticida e queria que me cedesse um bocado; o meu gado anda em tempo de cair.
   
- Quanto você quer?
   
- Coisa assim de litro a mais.
   
Dona inácia saiu, arrastando as chinelas. Vicente virou-se para a prima:
   
- Domingo atrasado as meninas cansaram de esperar por você!
   
- Eu até já ia lhe falar nisso. É porque não tive quem fosse comigo. Contava que Mãe Nácia quisesse ir de cadeirinha...
   
- Pois, no outro domingo, venho buscá-la. Pra você não enganar mais a gente.
   
Conceição abanou a cabeça:
   
- Você? Qual! é uma maçada muito grande para quem vive tão ocupado... Só tem tempo de pensar em trabalho... Juro que só veio aqui, hoje, por causa do carrapaticida. Você mesmo não disse, ainda agora?
   
Ele riu-se, corando:
   
- E se viesse por causa de alguma pessoa, não perdia meu tempo e minha viagem?
   
Conceição riu também:
   
- Muito obrigada! Então vir me ver é perder tempo? Pois deixe estar que no ano que vem eu trago aqui uma porção de moças bonitas para você poder aproveitar as viagens...
   
Dona Inácia voltava: - já mandei um moleque arrumar um jumento pra levar as garrafas. E agora me diga, meu filho: por que vocês não dão notícias? Parece que estão do outro lado do mar!...
   
Vicente apontou a prima:
   
- Por culpa da Conceição, que vive prometendo passar um dia lá em casa e nunca vai. A gente esperando por ela, deixa de vir.
   
A moça atalhou:
   
- Deixe de história! Eu só falei em ir lá no domingo passado.
   
Chegou uma cunhã com o café. E a conversa continuou a correr animada, enquanto a velha, que mandara trazer a almofada para o alpendre, trabalhava, trocando os bilros com ruído.
   
Quando Vicente se despediu, e montou ligeiro no cavalo que arrancou de galope, Conceição estirou-se na rede e ficou olhando o vulto branco que a poeira ruiva envolvia, até o ver se sumir atrás de um grupo de umarizeiras da várzea.
   
Todo o dia a cavalo, trabalhando, alegre e dedicado, Vicente sempre fora assim, amigo do mato, do sertão, de tudo o que era inculto e rude. Sempre o conhecera querendo ser vaqueiro como um caboclo desambicioso, apesar do desgosto que com isso sentia a gente dele.
   
E a moça lembrou-se de certa vez, em casa do Major, no dia em que se inaugurou o gramofone, e as meninas, e ela própria, que também estava lá, puseram-se a dançar. Os pares eram o filho mais velho da casa hoje casado e promotor no Cariri, e dois outros rapazes, colegas dele, que tinham vindo passar as férias no sertão. Mal começou a dança, entrou Vicente, encourado, vermelho, com o guardapeito encarnado desenhando-lhe o busto forte e as longas perneiras ajustadas ao relevo poderoso das pernas. A Conceição, pareceu que uma rajada de saúde e de força invadia subitamente a sala, purificando-a do falsete agudo do gramofone, das reviravoltas estilizadas dos dançarinos.
   
Mas a mãe dele, que sentada ao sofá apreciava a dança, vendo-o, enxergou apenas o contraste deprimente da rudeza do filho com o pracianísmo dos outros, de cabelo empomadado, calças de vinco elegante e camisa fina por baixo da blusa caseira. Já Vicente enlaçava a prima que, rindo, saiu dançando orgulhosa do cavalheiro, enquanto, na sua ponta de sofá, a. pobre senhora sentiu os olhos cheios de lágrimas, e ficou alI chorando pelo filho tão bonito, tão forte, que não se envergonhava da diferença que fazia do irmão doutor e teimava em não querer “ser gente” ...
   
Passados porém alguns anos, já agora a velha senhora se conformava em não fazer de Vicente um doutor, e trazia-o ciumentamente preso a si, e o mimava a tal ponto, que fazia as irmãs protestarem:
   
- Credo! Para mamãe, o Cente é mais mimoso do que mesmo o caçula!...
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Infancia (Jorge Amado)

Jorge Amado

Pouco me recordo de meu pai. Ficamos muito crianças eu e minha irmã, eu com cinco anos, quando ele morreu. Lembro-me apenas que minha mãe soluçava, os cabelos caídos sobre o rosto pálido e que meu tio, vestido de preto, abraçava os presentes com uma cara hipócrita de tristeza. Chovia muito. E os homens que seguravam o caixão andavam depressa, sem atender aos soluços de mamãe, que não queria deixar que levassem o seu marido.

Papai, quando vinha da fábrica, me fazia sentar sobre os seus joelhos e me ensinava o ABC com a sua bela voz. Era delicado e incapaz, como diziam, de fazer mal a uma formiga. Brincava com mamãe como se ainda fossem namorados. Mamãe, muito alta e muito pálida, as mãos muito finas e muito longas, era de uma beleza esquisita, quase uma figura de romance. Nervosa, às vezes chorava sem motivo. Meu pai tomava-a então nos seus braços fortes e cantava trechos musicais que faziam com que ela sorrisse. Nunca ralhavam conosco.

Depois que ele morreu, mamãe passou um ano meio alucinada, jogada para um canto, sem ligar aos filhos, sem ligar às roupas, fumando e chorando. Tinha ataques por vezes horríveis. E enchia de gritos dolorosos as noites calmas do meu Sergipe.

Quando após esse ano ela voltou ao estado normal e quis acertar os negócios de papai, meu tio provou, com uma papelada imensa, que a fábrica era dele só, pois meu pai — afirmava com o rosto vermelho e as mãos levantadas num gesto de escândalo — meu pai, meio louco e meio artista, deixara unicamente dívidas que meu tio pagaria para não se desmoralizar o nome da família.

Mamãe silenciou, coitada, e nos apertou nos seus braços, pois nós tremíamos toda a vez que meu tio aparecia com a sua cara vermelha, a sua barriga cultivada, a sua roupa de brim e aqueles olhos pequenos e perversos.

Vivia passando as mãos pela barriga. O meu tio... Mais velho que meu pai dez anos, cedo se tocara para o Rio de Janeiro, onde levou muito tempo sem dar notícias e sem que se soubesse o que fazia. Quando os negócios de meu pai estavam prósperos, ele escreveu a queixar-se da vida, dizendo que queria voltar. E veio, logo após a carta. Papai deu-lhe sociedade na fábrica.

Veio com a esposa, tia Santa, santa de verdade, pobre mártir daquele homem estúpido.

Papai vivia inteiramente para nós e para o seu velho piano. Na fábrica conversava com os operários, ouvia as suas queixas, e sanava os seus males quanto possível. A verdade é que iam vivendo em boa harmonia ele e os operários, a fábrica em relativa prosperidade. Nunca chegamos a ser muito ricos, pois meu pai, homem avesso a negócios, deixava escapar os melhores que lhe apareciam. Fora educado na Europa e tivera hábitos de nômade. Esquadrinhara parte do mundo e amava os objetos velhos e artísticos, as coisas frágeis e as pessoas débeis, tudo que dava idéia ou de convalescença ou de fim próximo. Daí talvez a sua paixão por mamãe. Com a sua magreza pálida de macerada, ela parecia uma eterna convalescente. Papai beijava as suas mãos finas devagar, muito de leve, com medo talvez que aquelas mãos se partissem. E ficavam horas perdidas em longo silêncio de namorados que se compreendem e se bastam. Não me recordo de tê-los ouvido fazer projetos.

Nós, eu e minha irmã, éramos como que bonecos para papai e mamãe.

Quando meu tio chegou mudou tudo. Ele não fora à Europa e se parecia muito com vovó, que fizera dos dezoito anos de vida em comum com meu avô uma dessas tantas tragédias anônimas e horríveis que nascem do casamento da estupidez com a sensibilidade. Dava nos filhos dos operários, o que não admirava, porque, como murmuravam pela cidade, ele espancava a esposa.

Pobre tia Santa! Tão boa, amava tanto as crianças e rezava tanto que tinha calos nos dedos, provocados pelas contas do rosário. Morreu, e a doença foi o marido. Meu tio deflorara uma operária e fora viver com ela publicamente. Santa não resistiu ao desgosto e morreu com o rosário entre as mãos, pedindo a papai que não abandonasse o miserável.

A fábrica prosperou muito. Nunca consegui compreender por que o salário dos operários diminuiu. Papai, fraco por natureza, não tinha coragem de afastar titio da fábrica e um dia, quando tocava ao piano um dos seu trechos prediletos, teve uma síncope e morreu.

[...]

Quando meu pai morreu e após meu tio declarar a nossa miséria, fomos morar numa casinhola no começo de uma ladeira. Eu fiquei muito mais perto do proletariado da "Cu com Bunda" do que da aristocracia da decadente São Cristóvão.

Acostumei-me a jogar futebol com os filhos dos operários. A bola, pobre bola rudimentar, fazia-se de bexiga de boi cheia de ar. Tornei-me camarada de um garoto Sinval, rebento único de uma operária, cujo marido morrera em São Paulo, metido numas encrencas com a polícia, não sei bem por quê. Sei que os operários falava dele como de um mártir. E Sinval desancava os patrões o que mais que podia. Franzino, os ossos quase a aparecer, possuía no entanto uma voz firme e um olhar agressivo. Chefiava a gente nos furtos às mangas e cajus dos sítios vizinhos. E toda vez que meu tio passava, cuspia de lado. Dizia que apenas completasse dezesseis anos embarcaria para São Paulo, para lutar como seu pai. Só muito depois é que eu vim compreender o que significava tudo isso.

Freqüentamos, eu e Elza, a escola. Mamãe fazia rendas e seus pais ajudavam o nosso sustento. Quando fiz quinze anos fui trabalhar na fábrica. Eu era então um rapazola forte, troncudo. O menino anêmico que eu fora se transformara em um adolescente de músculos rijos treinados em brigas de moleques.

Aparentava muito mais idade do que tinha realmente. Vivera sempre entre molecotes pobres da cidade, pobre que eu era como eles. Agora ia ser igual a eles completamente, operário da fábrica. Sinval não me diria mais com seu sorriso mofador:

— Menino rico...

Cinco anos aturei na fábrica a brutalidade do meu tio. Sinval, aos dezessete, vendera o que possuía em roupas e móveis e tocara para as fábricas ou para as fazendas de São Paulo. A primeira e última notícia que tivemos dele foi dois anos depois. Estava metido numa greve e esperava ser preso a qualquer momento. Depois nem uma carta, nem um bilhete, nada. Os operários afirmavam:

— Seguiu o destino do pai — e cerravam os punhos enraivecidos. Mas a fábrica apitava e eles se curvavam, magros e silenciosos.

Minhas mãos estavam então calejadas e meus ombros largos. Esquecera muito do pouco que aprendera na escola, mas em compensação sentia um certo orgulho da minha situação de operário. Não trocaria meu trabalho na fiação pelo lugar de patrão. Meu tio, o dono, estava bem mais velho e mais vermelho e mais rico. A barriga era o índice da sua prosperidade. À proporção que meu tio enriquecia ela se avolumava. Estava enorme, indecente, monstruosa. Poucas fortunas em Sergipe igualavam nesse tempo à sua. Dava esmolas unicamente ao convento (onde papava jantares) e ao orfanato. A este ele dava esmolas e órfãs. Não se podia contar pelos dedos, nem juntando os dos pés, o número de operárias desencaminhadas por meu tio.

Paixão que tive aos catorze anos por uma rameira gasta e sifilítica, com a qual iniciei a minha vida sexual. Amor, aos dezoito, platônico, por uma loura pequena do orfanato que foi ser freira, e enfim aos vinte, o pensamento de me amigar com a Margarida, operária como eu. Isso deu maus resultados. Meu tio andava também de olho na Margarida, que ostentava uns seios altos e alvos, junto a um rosto de criança travessa. Margarida um dia me contou que o patrão andava a apalpá-la. E ria, cínica. Eu acho que foi o seu riso que me fez ir às fuças de meu tio. Estraguei-lhe a cara hipócrita. Fui despedido.

São Paulo parecia à minha mãe e a Elza o fim do mundo. Por nada deixariam que eu fosse para lá. Eu comecei a falar em Ilhéus, terra do cacau e do dinheiro, para onde iam levas e levas de emigrantes. E como Ilhéus ficava apenas a dois dias de navio de Aracaju, elas consentiram que eu me jogasse, numa manhã maravilhosa de luz, na terceira classe do "Murtinho", rumo à terra do cacau, eldorado em que os operários falavam como da terra de Canaã.

Mamãe chorava, Elza chorava, quando me abraçaram na tarde em que segui para Aracaju — tomar o vapor. Eu olhei a velha cidade de São Cristóvão, o coração cheio de saudade. Tinha certeza de que não voltaria mais à minha terra.
----- fim ----

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