Os viajantes
Extraido de “Canaã”, 1902
José Pereira da Graça Aranha
Nota do blogger : Milkau e Maria compram um lote de terras, e para lá se dirigem, a pé. No caminho, pedem abrigo a um ancião desconhecido e solitário, é são bem recebidos por ele.
Debaixo do sol ardente desciam e subiam morros, e durante as primeiras horas Maria marchava lépida, apesar de tudo. Mais tarde começou a fraquear e era com dificuldade que prosseguia. Sentaram- se ás sombras das arvores, á beira dos caminhos. Descendo das regiões férteis, passavam tropas de burros carregados para o Porto do Cachoeiro, passavam viajantes montados, escoteiros, passava gente a pé, e só eles, descuidados, se deixavam ficar ali. Com o avançar da tarde, Milkau ficou inquieto, percebendo que lhes era impossível alcançar o Rio Doce naquele dia. Pediu a Maria continuassem a caminhar até descobrirem uma colônia onde pernoitar.
Andaram mais um pouco, e uma colônia se lhes deparou no alto da montanha. Milkau propos subirem pela vereda que levava até lá, onde talvez conseguissem agasalho. Maria fez um esforço e foi subindo vagarosamente. A colônia para onde se dirigiam, era um pequeno jardim europeu, que quebrava a uniformidade das habitações dos imigrantes. A medida que se aproximavam, iam sendo maravilhados. Em baixo estendia-se uma série de vales recortados em mil aspectos diversos; ora, montanhas baixas formando massas enormes, secas, áridas; ora matas folhudas, negras ora, despenhadeiros, planícies, riachos, plantações, casas; tudo numa abundância de criação, num capricho de linhas, de desenho, como numa paisagem extravagante.
Os viajantes foram-se deliciando com o cenário, perfumado com os aromas que vinham do jardim, até que, chegando á cancela, Milkau bateu palmas. Os cães ladraram atirando-se sobre a cerca, e logo um velho acudiu, sossegando-os com alegre autoridade :
— Olá, patifes ! assim é que se recebem visitas ?
Os cães afastaram-se rosnando, e o velho, alisando a longa barba branca, falou aos viajantes, mostrando no riso uma fila de dentes sãos. Milkau explicou-lhe o que os levara ali. E o velho, radiante, escancarou a porta, n'um gesto de agasalho fácil e espontâneo. Penetraram no jardim, que estava em triunfal floração. Os olhos não se podiam fixar em nenhum pormenor. A impressão que tiveram, foi de um só conjunto de cores desdobradas ao infinito. A vista se lhes estendia farta e satisfeita sobre uma tela mágica, uma zona cambiante, uma irradiação espectral, divina e rara.
Levou-os o velho para dentro da casa e ofereceu- Ihes jantar, servindo-os á mesa e obsequiando-os como podia. Entretanto, ia-lhes contando que era viuvo, morava ali só, havia muitos anos, as filhas eram casadas e os filhos viviam na vizinhança ; o que o entretinha era cultivar flores; o cafezal também o distraía, e da janela apontou as plantações no morro próximo, tratadas com o carinho de uma horta. Findo o jantar, vieram os três para o jardim. O homem da colônia deixou os hospedes e foi regar as plantas. Milkau ficou um momento admirando os movimentos espertos e juvenis do ancião, e depois, seguido de Maria, começou a passear pelo jardim.
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