Mocidade e revolução
Extraído de “A viagem maravilhosa”, 1930
Graça Aranha
— Revolucionário? indagou Thereza.
— Sim. Aqui somos todos. Cada um a seu modo, até Aracy, afirmou a mãe. Eu não posso pegar em armas mas sou pela gente que padece dos déspotas. E abençoo estes meninos de coragem, que se bateram em Copacabana, que estão no sul e no norte salvando a vergonha nacional.
A evocação da mocidade heroica emudeceu a todos. Thereza recebeu o ímpeto da revolta contra o despotismo, a rapina e a desumanidade dos flageladores do país e o seu coração bateu o ritmo da libertação. Ela queria saber mais e mais da agonia do povo e das esperanças de salvação. Manuel respondia-lhe, radiante de se expandir sobre o que era a sua vida :
— Um ano de revolução e o governo, com todo o seu poder, o seu dinheiro, a sua corrupção, não venceu.
— E não vencerá, já concluía Thereza, espantando-se ela própria da sua fé repentina.
O sentimento agira bruscamente sobre a inteligência e criara a convicção precipitada.
— Não vencerá, repetiu entusiasmado Manuel. Pode haver minutos de parada, mas o espirito revolucionário não se detém e não ha força que o abafe. O impulso vem do fundo da alma nacional e procura reagir contra esta onda de lama, esta infâmia das gentes, que se apossaram do governo para depredar o país, porque neste despotismo a finalidade é locupletarem-se os governantes e toda a récua que os serve. A revolução vem de longe e é sobretudo uma revolução da mocidade.
— É a sua força e a sua beleza, exclamou Vieira, arrebatado pelas palavras resolutas de Manuel, que prosseguia :
— A mocidade esteve no Brasil longo tempo servil, dando tristes sinais de decrepitude. Ela estava na indolência e formava na clientela dos políticos. Não era mais a mocidade desinteressada, que fez a abolição e a republica, era uma massa indigente, miserável, viciada pela volúpia e procurando o dinheiro no jogo, nos empregos públicos, nos negócios equívocos. Uma materialidade absoluta unia solidariamente velhos e moços.
— E como a mocidade se transformou nesta legião de loucos, de revolucionários?... Diga, insistia inquieta Thereza.
— A explicação é difícil. O fato é que ela se transformou e o ideal a move e a faz heroica. Talvez a guerra europeia despertasse o idealismo universal. Talvez o individualismo desse uma nova afirmação ao homem, que se separou do rebanho, viu por si mesmo e teve horror. No Brasil a mocidade é a revolução contra tudo e contra todos. Já homens moços têm vergonha de servir ao governo. Este sentimento de pejo é o mais vivificador sopro da vida nova do país.
— A revolução está em tudo e em toda a parte, afirmou Vieira.
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