A execução de Tiradentes(João Ribeiro)
Extraído de Historia do Brasil, 1901João RibeiroNota do bloguista : foi feita atualização ortográfica do texto.
No dia 19 de abril entrava na cadeia publica do Rio de Janeiro, rodeado de outros ministros da justiça, o desembargador Francisco Alves da Rocha para ler a sentença aos réus que desde a noite da véspera haviam sido transferidos de vários segredos (prisões) da cidade para a sala chamada do Oratório. Eram onze os criminosos que ali esperavam algemados e cercados de força embalada, a ultima palavra de seus destinos.
A leitura da sentença erudita e cheia de citações durou duas longas horas; ao cabo dela eram todos os infames condenados á forca e a alguns cabia ainda mais o horror de insepultos e esquartejados servirem os seus membros, espetados em postes, de padrão da execrável perfídia.
Quando o desembargador se retirou, diz uma testemunha do acontecimento, viu-se representar a cena mais trágica que se podia imaginar. Mutuamente pediram perdão e o deram ; porém cada um fazia imputar a sua infelicidade ao excessivo depoimento do outro. Como tinham estado três anos incomunicáveis, era neles mais violento o desejo de falar que a paixão que a tal sentença cavaria nos cansados corações. Nesta liberdade de falarem e de se acusarem mutuamente estiveram quatro horas; mas quando se lhes puseram os grilhões e manietados (com as mãos presas) viram-se obrigados a deitar-se, por menos incomoda posição, abateram-se-lhes os espíritos e entraram então a meditar sobre o abismo da sua sorte.
Dentro em pouco, porém, um raio de esperança iluminou-lhes a torva existência. O mesmo ministro que lera a rude sentença veio horas depois anunciar a clemência da rainha que aos conjurados, exceto Tiradentes, poupava o suplício da morte. Então foram grandes os extremos da alegria e com aquela inesperada piedade sentiram-se rejuvenescer. Tiradentes também, conforme o seu coração bem formado e leal, participou d'esses transportes e dizia que só ele em verdade devia ser a vítima da lei e que morria jubiloso por não levar após si tantos infelizes que desencaminhara.
Tiradentes era um espirito grandemente forte e na religião achou mais largo e substancioso conforto do que os outros companheiros de espirito leviano ou inconsiderado.
Na manhã de 21 de Abril entrou na sua cela o algoz para vestir-lhe a alva e ao despir-se dizia o mártir que o seu «Redentor morrera por ele também nu».A cidade estava aparelhada como para uma grande festa em honra a divindade do governo supremo. Aos sons marciais das fanfarras saíram de todos os quartéis os regimentos da guarnição, luzidios, com os uniformes maiores: seis regimentos e duas companhias de cavalaria que em tropel corriam a cidade, guardada agora momentaneamente pelos auxiliares.
No campo da Lampadosa erguia-se o lúgubre patíbulo, alto, sobre vinte degraus, destinado ao memorável exemplo. Na frente da cadeia pública organizou-se a procissão em ato declarado fúnebre, com a Irmandade da Misericórdia e a sua colegiada, e o esquadrão de cavaleiros da guarda do Vice-Rei. Saiu o reu que foi posto entre os religiosos que iam para confortá-lo e o clero e as irmandades, guardados pela cavalaria.
Tiradentes tinha «as faces abrasadas», caminhava apressado e intrépido e monologava com o crucifixo que trazia á mão e a altura dos olhos. Nunca se vira tanta constância e tamanha consolação! Ao préstito juntou-se a turba dos curiosos, e avolumando a multidão era mister que de vez em quando dois cavaleiros a destroçassem.
Pelas 11 horas do dia, que fora de sol descoberto e ardente, entrou na larga praça por um dos ângulos, que faziam os regimentos postados em triangulo, o réu com todo o
acompanhamento. Subiu «ligeiramente» os degraus, sem desviar os olhos do santo Crucifixo que trazia e serenamente pediu ao carrasco que não demorasse, e abreviasse o suplício.
O guardião do convento de Santo António, imprudentemente, por mal entendida caridade ou por não saber conter talvez o seu zelo demasiado, tomou a palavra admoestando a curiosidade do povo sem todavia esquecer o elogio da clemência real.
Depois do credo, a um frêmito de angustia da multidão, viu-se cair suspenso das traves o cadáver do martir. Foi profunda a impressão no povo, que apertado e numerosíssimo em todo o campo, abalara para ver o abominável espetáculo. As janelas apinhavam-se de gente e nas ruas e praças era impossível o movimento. As pessoas mais delicadas, com tudo, haviam desde a véspera, abandonado a cidade para não testemunharem a execução.
Após o suplicio, um dos religiosos falou tomando o tema do Eclesiastes : In cogitatione tua regi ne detrahas. . . quia aves coeli portabimt voceni tuani. Não atraiçoes a teu rei nem por pensamentos... as mesmas aves levar- te-iam o sentido deles.
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