I-Juca Pirama – primeiros versos
Antonio Gonçalves Dias
Nota do blogger : Gonçalves Dias (o poeta do “Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá...”) foi um poeta romântico, patriota e indianista (simpatizante dos índios). Dias retratava o índio de forma estilizada, romântica, dando-os pinceladas de nobreza, bravura. Pura balela, os indianistas que me perdoem, mas os índios brasileiros eram os mais primitivos do Novo Mundo. Não tinham escrita, nem desenvolveram qualquer tipo de arte, não foram ceramistas, nem agricultores, nem construtores, eram indolentes e destruidores da natureza. Entretanto, a arte de Gonçalves Dias é das mais refinadas.
I Juca Pirama (tupi : “aquele que será morto”) é composto de 480 versos, conta a historia de um índio Tupi, que caiu prisioneiro dos Timbiras. O condenado deverá ser morto em ritual. Porem implora por liberdade, alegando que tinha um pai velho e cego, e que deveria cuida-lo. Promete retornar e entregar-se, voltar a condição de prisioneiro tão logo o pai venha a falecer. O chefe Timbira concede o desejo e liberta-o. Mas ao reencontrar o pai, este fica furioso ao descobrir que o filho quebrou um ritual de sacrifício, e julgou o filho ser um covarde, que temeu a morte perante aos inimigos; e ordena que o filho volte imediatamente à condição de prisioneiro dos Timbiras.
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão * .
(* Assombram a imensa extensão das matas)
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam*, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras*, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
Prélio – luta, peleja
Timbira – tribo de indios
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos* lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
* ignavo : covarde ... “(Os) ignavos lá rendem custosos tributos”)
No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna* o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d’outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em torno dum índio infeliz *.
* adunar : juntar, aglomerar
* índio infeliz – o prisioneiro de guerra
Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: - de um povo remoto
Descende por certo - dum povo gentil;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano*
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.
insulano : ilhéu
Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: - no extenso terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos *se incubem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função.
Cuidoso – piedoso, bondoso
Aprestos – preparos, acabamentos
Acerva-se* a lenha da vasta fogueira
Entesa-se a corda da embira ligeira,
Adorna-se a maça* com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.
Acervar – juntar, amontoar / entesar – enrijecer
Maça – arma de madeira, espécie de porrete
Em tanto as mulheres com leda trigança*,
Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
A coma* lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape* no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar *
Trigança – pressa
Coma – cabeleira
Enduape : saia de penas, usadas por índios guerreiros
Canitar – cocar de penas
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