José
Carlos Drummond de Andrade
Nota do blogger : O poema “José” foi publicado em 1942, ano da instalação do Estado Novo no Brasil, período de instabilidade e repressão política; de êxodo rural, de autoritarismo. José, trabalhador brasileiro sofre sob as duras condições de trabalho, é representante da classe operária, explorada pela classe elitizada. Drummond, com exagerado pessimismo, retrata as condições do brasileiro nesta época de crise, e conclama o leitor para também se manifestar contra a situação (“...e agora, Você ?”).
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia*,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
teogonia - Qualquer sistema religioso da Antiguidade, fundamentado nas relações dos deuses entre si e entre eles e os homens.
Nenhum comentário:
Postar um comentário