quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O califa e o plantador de árvores



José Maria Latino Coelho

(Escritor português, 1825-1899)

Ia o Califa Harum-el-Raxid por um campo, aonde andava a folgar à caça, quando sucedeu de passar por pé de um homem já mui velho, que estava a plantar uma noguerinha.
Então disse o Califa aos de seu séquito:

“Em verdade, bem louco deve ser êste homem em estar a plantar agora esta nogueira, como se estivesse ainda no vigor da mocidade e contasse como certo vir a gostar dos frutos desta planta.”

Indo-se então o Califa em direitura ao velho, perguntou-lhe quantos anos tinha.

“Para cima de oitenta, respondeu o velho; mas, Deus seja louvado, sinto-me ainda tão robusto, e saudável, como se tivera apenas trinta.”

“Sendo assim, redargüiu o Califa, quanto pensas tu que ainda has-de viver, pois que nesta idade já tão adiantada estás a plantar uma árvore que por natureza só daqui a largos anos dará frutos?”

“Senhor, disse o velho, tenho grandes contentamentos em a estar plantando, sem inquirir se serei eu ou outros depois de mim quem lhe colherá os frutos. Assim como nossos pais trabalharam por nos legar as árvores que nós hoje desfrutamos, assim é justo que deixemos outras novas, com que nossos filhos e netos e venham a utilizar-se e a enriquecer-se. E, se hoje nos sustentamos dos frutos do seu trabalho e se foram nossos pais tão cuidadosos do futuro, como havemos de retribuir em desamor aos nossos filhos, o que de nossos pais recebemos em carinho e providência? Assim, semeia o pai para que o filho possa vir a colher.”

Caíram tão em graça as palavras do ancião ao ânimo generoso do Califa, que logo ali foi presenteado com uma bôlsa cheia de ouro. Então o velho, depois dos agradecimentos que lhe ditou ou a sua piedade, tomou argumento para reforçar o que havia pouco dissera, exclamando:

“Quem poderá agora dizer, que não foi bem galardoado o meu trabalho de hoje, se esta àrvorezinha que eu plantei há pouco, logo ao primeiro dia me deu frutos sazonados e valiosos?”

Tomai daqui o exemplo, meus meninos, e não vos desgosteis do trabalho que fizerdes, só porque as nogueiras que plantardes, vos não possam lisonjear a gulodice logo ao segundo dia de as haverdes enraizado na terra: nem vos. tome nunca a tentação de largardes as vossas tarefas úteis, como dizer que os frutos do vos- o esforço e trabalho outros os hão-de colher, e não vós. Aprendei a haver por irmãos a todos os homens que Deus pôs na terra para o servirem, e se amarem e auxiliarem mutuamente. Trazei sempre bem vivo nos vossos corações o amor do próximo, seja daquele que vós vêdes, e viva a par de vós, seja do que ainda nascer; porque o que está aqui vivo tem direito a que o ajudeis para que vos retribua; e o que ainda há de vir, há de conhecer-vos pela herança que lhe deixardes, e abençoar-vos se a herança fôr de bem, e amaldiçoar-vos se fôr de mal

--- FIM ---------

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