O condenado
Anibal Machado
(Anibal Monteiro Machado)
Extraído de “Historias reunidas”, 1959
Ás tres e um quarto o acusado entrou no Foro. Ali funcionavam várias repartições municipais. Havia menos gente que na véspera, à sua chegada. Passou por entre duas filas de curiosos. Relançou a vista pela praça. Bastou um gripo que veio de longe e que, ouvido pela segunda vez, lhe parecia um slogan de vingança, “he, doutorzinho ! chegou a tua hora!”, para que tivesse a medida do ódio contra a sua pessoa.
Parou perplexo,como à espera de um guia. Suportou os olhares reunidos de quase toda a Câmara Municipal, do Fôro e da Coletoria, que tudo funcionava no mesmo prédio. Era a condenação prévia.
O oficial de justiça indicou-lhe a escada, acompanho-o até a sala de audiências. No trajeto entre o primeiro degrau de pedra do saguão e o fim da escada, já no segundo andar, foi-se-lhe definindo na alma apertando-lhe o coração, um sentimento que até então não imaginava tão atroz: o de ser o renegado, o maldito.
Para ele todo aquele aparato.
O silencio, as caras fechadas, a troca de olhares oblíquos, as folhas de papel que mudavam de mesa, o reabastecimento dos tinteiros, a campainha, o Cristo de madeira, as idas e vindas do oficial de justiça e do advogado de véspera, os sussurros deste aos ouvidos do escrivão, e uma risadinha geral subentendida, quando não explicita, - tudo contra ele, tudo para sua desgraça. Ao entrar o juiz, o silencio se fez maior.
Aquele vulto alto e cansado, algo volumoso dentro da roupa preta, trouxe-lhe certo alívio. Sem o querer, associou o trio juiz-promotor-escrivão, já sentados à mesa sobre o estrado, à imagem das bancas examinadoras mais exigentes do seu curso de engenharia.
Como fazer com que a sua verdade tivesse mais poder do que a mentira armada com os aparelhos e o cerimonial da justiça ? O que aconteceu e precisava contar era, de sua natureza, tão inverossímil que não seria compreendido pelo tribunal popular, caso o juiz o mandasse a júri.
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