Iaiá Garcia - Machado de Assis
Contava onze anos e chamava-se Lina. O nome doméstico era Iaiá. No colégio, como as outras meninas lhe chamassem assim, e houvesse mais de uma com igual nome, acrescentavam-lhe o apelido de família. Esta era Iaiá Garcia. Era alta, delgada, travessa; possuía os movimentos súbitos e incoerentes da andorinha. A boca desabrochava facilmente em riso, — um riso que ainda não toldavam as dissimulações da vida, nem ensurdeciam as ironias de outra idade. Longos e muitos eram os beijos trocados com o pai. Luís Garcia punha-a no chão, tornava a subi-la aos joelhos, até que consentia finalmente em separar-se dela por alguns instantes. Iaiá ia ter com o preto.
— Raimundo, o que é que você me guardou?
— Guardei uma coisa, respondia ele sorrindo. Iaiá não é capaz de adivinhar o que é.
— É uma fruta.
— Não é.
— Um passarinho?
— Não adivinhou. — Um doce?
— Que doce é?
— Não sei; dá cá o doce.
— Guardei uma coisa, respondia ele sorrindo. Iaiá não é capaz de adivinhar o que é.
— É uma fruta.
— Não é.
— Um passarinho?
— Não adivinhou. — Um doce?
— Que doce é?
— Não sei; dá cá o doce.
Raimundo negaceava ainda um pouco; mas afinal entregava a lembrança guardada. Era às vezes um confeito, outras uma fruta, um inseto esquisito, um molho de flores. Iaiá festejava a lembrança do escravo, dando saltos de alegria e de agradecimento. Raimundo olhava para ela, bebendo a felicidade que se lhe entornava dos olhos, como um jorro de água pura. Quando o presente era uma fruta ou um doce, a menina trincava-o logo, a olhar e a rir para o preto, a gesticular e a interromper-se de quando em quando:
— Muito bom! Raimundo é amigo de Iaiá... Viva Raimundo!
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