quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O Juiz de Paz na Roça (Martins Pena)

 

N. do blogger : Publicada em 1838, a peça teatral O Juiz de Paz na Roça era uma comédia, explorando os costumes das classes sociais humildes, retratando situações jocosas, hilárias.

Cena XI

JUIZ - Escrivão, leia outro requerimento.

ESCRIVÃO - (lendo) "O baixo-assinado vem dar os parabéns a V.S.a Por ter entrado com saúde no ano financeiro. Eu, Ilmo. Sr. Juiz de paz, sou senhor de um sítio que está na beira do rio, aonde dá muito boas bananas e laranjas e cimo vem de encaixa, peço a V.S.a o favor de aceitar um cestinho das mesmas que eu mandarei hoje à tarde. Mas, como ia dizendo, o dito sítio foi comprado com o dinheiro que minha mulher ganhou nas costuras e outras cousas mais; e, vai senão quando, um meu vizinho, homem de raça de Judas, diz que metade do sítio é dêle. E então, que lhe parece, Sr. Juiz, não é desafôro? Mas, como ia dizendo, peço a V. S.a. para vir assistir à marcação do sítio. Manuel André? E.R.M. (Espera Receber Mercê)”

JUIZ - Não posso deferir por estar muito atravancado com um roçado; portanto, requeira ao suplente, que é o meu compadre Pantaleão.

MANUEL ANDRÉ - Mas, Sr. Juiz, êle também está ocupado com uma plantação.

JUIZ - Você replica? Olhe que o mando para a cadeia.

MANUEL ANDRÉ - Vossa senhoria não pode prender-me à toa; a Constituição não manda;

JUIZ - A constituição!... Está bem!... Eu, o Juiz de paz, hei por bem derrogar a Constituição! Sr. Escrivão, tome têrmo que a Constituição está derrogada, e mande-me prender êste homem;

MANUEL ANDRÉ - Isto é uma injustiça!

JUIZ - Ainda fala? Suspendo-lhe as garantias...

MANUEL ANDRÉ - é desafôro...

JUIZ - (levantando-se) Brejeiro!...(MANUEL ANDRÉ CORRE; O JUIZ VAI ATRÁS.) Pega.. Pega... Lá se foi... Que o leve a breca. (ASSENTA-SE) Vamos às outras partes.

ESCRIVÃO - ( lendo) Diz João de Sampaio que, sendo êle "senhor absoluto de um leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão furasse a cêrca do Sr. Tomás pela parte de trás, e com sem-ceremônia que tem todo o porco, fossasse a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. Juiz, que o leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um porco pensar como o cão, que é outra qualidade de alimária (animal) e que pensa às vezes como um homem. Para V. S.a não pensar que minto, lhe conto uma história: aminha cadela Tróia, aquela mesma que escapou de morder a V. S.a naquela noite, depois que lhe dei uma tunda (surra) nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a respeito de dizer que o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com o leitão só porque comeu três ou quatro cabeças de nabo. Assim, peço a V. S.a que mande entregar-me o leitão. E.R.M."

JUIZ - É verdade, Sr. Tomás, o que o Sr. Sampaio diz?

TOMÁS - É verdade que o leitão era dêle, porém agora é meu.

SAMPAIO - Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem eu lho dei, como pode ser seu?

TOMÁS - É meu, tenho dito.

SAMPAIO - Pois não é, não senhor. (AGARAM AMBOS NO LEITÃO E PUXAM, CADA UM PARA SUA BANDA. )

JUIZ - (levantando-se) Larguem o pobre animal, não o matem!

TOMÁS - Deixe-me, senhor!

JUIZ - Sr. Escrivão, chame o meirinho (oficial de justiça). (OS DOUS APARTAM-SE) Espere, Sr. Escrivão, não é preciso. (ASSENTA-SE) Meus senhores, só vejo um modo de conciliar esta contenda, que é darem os senhores êste leitão de presente a alguma pessoa. Não digo com isso que mo dêem.

TOMÁS - Lembra Vossa Senhoria bem. Peço licença a Vossa Senhoria para lhe oferecer.

JUIZ - Muito obrigado. É o senhor um homem de bem, que não gosta de demandas. E que diz o Sr. Sampaio?

SAMPAIO - Vou a respeito de dizer que se Vossa Senhoria aceita, fico contente.

JUIZ - Muito obrigado, muito obrigado! Faça o favor de deixar ver. Ó homem, está gordo, tem toucinho de quatro dedos! Com efeito! Ora, Sr. Tomás, eu que gosto tanto de porco com ervilha!

TOMÁS - Se Vossa quer, posso mandar algumas.

JUIZ - Faz-me muito favor. Tome o leitão e bote no chiqueiro quando passar. Sabe aonde é?

TOMÁS - (TOMANDO O LEITÃO) Sim senhor.

JUIZ - Podem se retirar, estão CONCILIADOS.

SAMPAIO - Tenho ainda um requerimento que fazer.

JUIZ - Então, qual é?

SAMPAIO - Desejava que Vossa Senhoria mandasse citar a Assembléia Provincial.

JUIZ - Ó homem! Citar a assembléia Provincial? Para quê?

SAMPIO - Pra mandar fazer cercado de espinhos em tôdas as hortas.

JUIZ - Isto é impossível! A Assembléia Provincial (Antigas assembleias legislativas) não pode ocupar-se com estas insignificâncias.

TOMÁS - Insignificâncias, bem! Mas os votos que Vossa Senhoria pediu-me para aquêles sujeitos não era Insignificância. Então me prometeu mundos e fundos.

JUIZ - Está bem, veremos o que poderei fazer. Queiram-se retirar. Estão conciliados; tenho mais que fazer. (SAEM OS DOIS.) Sr. Escrivão, faça o favor de... (LEVANTA-SE APRESSADO E, CHEGANDO À PORTA, GRITA PARA FORA: ) Ó Sr. Tomás! Não se esqueça de deixar o leitão no chiqueiro!

TOMÁS - (AO LONGE) Sim senhor.

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