quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Declaração de amor

Manuel Antonio de Almeida
(do livro Memorias de um Sargento de Milicias),

    Mas em amor, assim como em tudo, a primeira saída é o mais difícil. Todas as vezes que esta idéia vinha à cabeça do pobre rapaz, passava-lhe uma nuvem escura por diante dos olhos ebanhava-se-lhe o corpo em suor. Muitas semanas levou a compor, a estudar o que havia de dizer a Luizinha quando aparecesse o momento decisivo. Achava com facilidade milhares de idéias brilhantes; porém mal tinha assentado em que diria isto ou aquilo, e já isto e aquilo lhe não parecia bom.
   
Por várias vezes tivera ocasião favorável para desempenhar a sua tarefa, pois estivera a sós com Luizinha; porém nessas ocasiões nada havia que pudesse vencer um tremor de pernas que se apoderava dele, e que não lhe permitia levantar-se do lugar onde estava, e um engasgo que lhe sobrevinha, e que o impedia de articular uma só palavra.
   
Enfim, depois de muitas lutas consigo mesmo para vencer o acanhamento, tomou um dia a resolução de acabar com o medo, e dizer-lhe a primeira coisa que lhe viesse à boca.
   
Luizinha estava no vão de uma janela a espiar para a rua pela rótula; Leonardo aproximou-se tremendo, pé ante pé, parou e ficou imóvel como uma estátua atrás dela, que, entretida para fora, de nada tinha dado fé. Esteve assim por longo tempo calculando se devia falar em pé ou se devia ajoelhar-se. Depois fez um movimento como se quisesse tocar no ombro de Luizinha, mas retirou depressa a mão. Pareceu-lhe que por aí não ia bem; quis antes puxar-lhe pelo vestido, e ia já levantando a mão quando também se arrependeu. Durante todos estes movimentos o pobre rapaz suava a não poder mais. Enfim, um incidente veio tirá-lo da dificuldade. Ouvindo passos no corredor, entendeu que alguém se aproximava, e tomado de terror por se ver apanhado naquela posição, deu repentinamente dois passos para trás, e soltou um — ah! — muito engasgado. Luizinha, voltando-se, deu com ele diante de si, e recuando espremeu-se de costas contra a rótula; veio-lhe também outro — ah! — porém não lhe passou da garganta, e conseguiu apenas fazer uma careta.
   
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma posição, até que o Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio, e com voz trêmula e em tom o mais sem graça que se possa imaginar perguntou desenxabidamente:
   
— A senhora... sabe... uma coisa?
    E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola. Luizinha não respondeu. Ele repetiu no mesmo tom:
    — Então... a senhora... sabe ou... não sabe?
   
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luizinha conservou-se muda.
   
— A senhora bem sabe... é porque não quer dizer...
   
Nada de resposta.
   
— Se a senhora não ficasse zangada... eu dizia...
   
Silêncio.
   
— Está bom... eu digo sempre... mas a senhora fica ou não fica zangada?
   
Luizinha fez um gesto de quem estava impacientada.
   
— Pois então eu digo... a senhora não sabe... eu... eu lhe quero... muito bem.
   
Luizinha fez-se cor de uma cereja; e fazendo meia-volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo, pois alguém se aproximava. Leonardo viu-a ir-se, um pouco estupefato pela resposta que ela lhe dera porém não de todo descontente: seu olhar de amante percebera que o que se acabava de passar não tinha sido totalmente desagradável a Luizinha.
   
Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e assentou-se, pois se achava tão fatigado como se tivesse acabado de lutar braço a braço com um gigante.

 

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Um comentário:

Unknown disse...

A onde acontece o clímax na história de Luizinha e Leonardo
B